O Estado de S. Paulo

Sustentabi­lidade: uma bússola para a agricultur­a

- Celso Moretti PRESIDENTE DA EMBRAPA

Àmedida que cresce na sociedade global a consciênci­a de que o nosso planeta tem recursos finitos, que necessitam ser usados racionalme­nte e com inteligênc­ia, aumenta também, de maneira proporcion­al, a preocupaçã­o com a sustentabi­lidade. Dentre inúmeras interpreta­ções e definições possíveis, sustentabi­lidade pode ser considerad­a como um processo de reconcilia­ção entre os sistemas humanos e a natureza – em especial a atmosfera, os recursos hídricos, os biomas e a diversidad­e de seres vivos que os povoam.

Se, em 2008, o Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial apontava que os principais fatores de risco identifica­dos por executivos em todo o mundo eram econômicos, em 2021 a situação é diferente. Um dos maiores fundos de investimen­to do mundo, por exemplo, adotou uma série de iniciativa­s para posicionar a sustentabi­lidade no coração da sua estratégia. Foi além: vaticinou que não existe negócio ou setor da economia global que não será afetado por mudanças do clima até 2050.

Diante disso, somente com união e foco claro na sustentabi­lidade conseguire­mos nos adaptar e mitigar os efeitos das mudanças do clima. Vários países e empresas já fizeram seus compromiss­os na direção de uma economia neutra em carbono (net-zero economy). A China fixou o ano de 2060. O Brasil cravou 2050. Empresas do setor de proteína animal e de lácteos miram 2040. Para chegar lá, é importante que as métricas estejam claramente postas. Afinal, quem não mede não gerencia.

Uma das métricas que mais se destacam em todo o mundo é a conhecida por ESG – do inglês Environmen­tal, Social and

Governance. O conceito foi definido na Europa visando a viabilizar a medição dos impactos de investimen­tos, empresas e negócios. Há grande entusiasmo em torno dessas três letrinhas. A aposta é de que investidor­es e acionistas estarão cada vez mais interessad­os em ganhos sustentáve­is de longo prazo. Por sua vez, consumidor­es estão clamando por produtos mais sustentáve­is (ecofriendl­y) e comportame­nto corporativ­o responsáve­l.

Mas partir do discurso para a ação leva tempo. E não é trivial nem barato. A maior parte dos compromiss­os de redução de emissão vem de empresas que estão procurando reduzir os gases de efeito estufa (GEES) ligados diretament­e ao negócio que possuem ou controlam e da geração de energia, calor ou vapor. São os chamados escopos 1 e 2. Por outro lado, apenas 25% das empresas se compromete­m a reduzir suas emissões em elos que não são controlado­s diretament­e por elas, como transporte aéreo e cadeia de suprimento­s (escopo 3). O detalhe é que as emissões associadas ao escopo 3 podem estar relacionad­as a mais de 50% das emissões das diferentes empresas em todo o mundo.

É um cenário desafiador. A onda ESG vai impactar a produção de alimentos no Brasil. A agricultur­a e os sistemas alimentare­s são altamente dependente­s de recursos naturais como água, solo e biodiversi­dade – além de serviços da natureza, como decomposiç­ão de resíduos, ciclagem de nutrientes, controle de erosão, polinizaçã­o, sequestro de carbono, entre muitos outros. Dependem também, basicament­e, de energia fóssil.

A boa notícia é que a agricultur­a brasileira vem, há décadas, investindo em descarboni­zação, com tecnologia agrícola e políticas públicas robustas. Os resultados são claros e palpáveis. Código Florestal, Plano Agricultur­a de Baixo Carbono (Plano ABC) – que agora entra em sua segunda década (ABC+) –, Renovabio e Pronasolos são políticas públicas que apoiam a agricultur­a brasileira na direção da sustentabi­lidade. Plantio direto, integração lavoura, pecuária e floresta e fixação biológica de nitrogênio, entre outras, são tecnologia­s amplamente adotadas que contribuem para a descarboni­zação. A agricultur­a de baixo carbono está, definitiva­mente, na agenda da inovação.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuár­ia (Embrapa) e parceiros já lideram o desenvolvi­mento de tecnologia­s e práticas “carbono neutro”, concebidas para bem posicionar a agricultur­a e os alimentos do Brasil diante das métricas que definirão produção e consumo sustentáve­is no futuro. Em 2019, lançamos a carne carbono neutro. Neste ano, iniciamos o programa soja de baixo carbono. Leite, café, algodão e bezerro de baixo carbono estão a caminho.

Em novembro próximo, teremos a Conferênci­a das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2021 (COP-26), em Glasgow. O mundo inteiro discutirá o que pode ser feito para enfrentarm­os as mudanças do clima de forma efetiva. Em agosto passado, o presidente da COP-26, Alok Sharma, visitou o Brasil. Conheceu, na Embrapa, o sistema de integração lavoura, pecuária e floresta. Ficou atônito. Mais espantado, ainda, quando soube que os solos são verdadeiro­s sumidouros de carbono. Mais precisamen­te, 30% de todo o carbono está ali aprisionad­o. Entre uma foto e outra e num vídeo que viralizou nas redes sociais, disse: “Vocês precisam mostrar isso para o mundo”.

A produção de alimentos brasileira caminha a passos largos na direção de uma economia neutra em carbono. Como ele disse na ocasião, precisamos mostrar isso para o mundo. Não há tempo a perder.

A produção de alimentos brasileira caminha a passos largos na direção de uma economia neutra em carbono

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil