O Estado de S. Paulo

‘Eu não vou calar a voz de ninguém’

Símbolo das Diretas Já, a cantora fala sobre o coro contra Bolsonaro em seu show no Círio e pede mais Ulysses e Tancredo nos dias de hoje na política

- Direto da Fonte Sonia Racy

Estilo direta ‘Não tenho panela, eu sou uma pessoa transparen­te, não me adequo a situações com as quais eu não fecho’.

Fafá de Belém falava em defesa da floresta amazônica no show de abertura da festa do Círio de Nazaré quando o teatro começou a gritar em coro Fora Bolsonaro, dias atrás na capital do Pará. Embaixador­a da Fundação Amazônia Sustentáve­l, ela diz que não cabe a si frear o clamor do público: “Não vou calar a voz de ninguém”. Com um histórico de defesa das liberdades, Fafá esteve na linha de frente de comícios da transição democrátic­a e mantém na memória a certeza de que quando o povo grita nas ruas, não adianta o Congresso barrar. Ela aponta que falta na política dos tempos atuais o espírito de Ulysses Guimarães, de abdicar de interesses eleitorais em nome de uma articulaçã­o positiva para o País em momentos-chaves. Nesta conversa com a repórter Paula Bonelli, por videoconfe­rência, ela criticou ainda o documentár­io que a eliminou da história das Diretas.

Como foi o coro Fora Bolsonaro no seu show no Círio?

Eu estava falando sobre a Amazônia, como sempre faço. Aí falei que floresta boa é floresta em pé, e alguém gritou Fora Bolsonaro, e o teatro inteiro gritou. E eu não disse nada, não vou dizer calem a boca. Não vou calar a voz de ninguém... A manifestaç­ão popular é a mais forte que existe.

Quando o povo gritava Diretas Já nas ruas não bastou o Congresso Nacional brecar.

Dá para comparar a campanha das Diretas Já e os protestos que ocorrem hoje contra o governo federal?

Há uma base de comparação das Diretas com o clamor pelas vacinas. A partir do momento que não vieram as vacinas que elas foram recusadas, a sociedade civil entendeu que era uma questão de ciência, de preservaçã­o da vida e passou a exigi-la. É sempre através da sociedade que a gente transforma coisas. Então a ditadura instalada em 1964, durante muito tempo, também foi assim, sendo absorvida, as pessoas convivendo com os abusos, com arbitrarie­dades, mas quando chega em 84, ano em que as Diretas não foram aprovadas no Congresso, a sociedade estava ‘imparável’. A partir da união dos partidos foi possível a gente atravessar o Brasil conscienti­zando que era um momento do povo participar. Um homem foi fundamenta­l para nossa transição: Ulysses Guimarães.

O que o Ulysses tem para ensinar para os tempos atuais?

Ulysses abdicou de ser o presidente da República e viu que a única transição possível seria com o Tancredo Neves. Abdicou do seu maior sonho, pelo qual trabalhou a vida toda. Eu, desde o pós-tancredo, me recolhi, só observo, não subo em palanque, mas acho que a falta de renovação de lideranças políticas é a coisa mais grave nesse País. Não podemos chegar em mais uma eleição de maneira polarizada. Reconheço a força do Lula, do PT, mas também reconheço a força de articulaçã­o do Bolsonaro.

E o Tancredo Neves, ele tem lições para a política de hoje que você lembre?

O Tancredo foi um grande articulado­r desde sempre. Conseguiu fazer uma organizaçã­o com Ulysses, Fernando Lira e grandes ícones de esquerda e extrema esquerda. Eles compreende­ram a necessidad­e do diálogo naquele momento para se dar a grande transição nacional. O que eu vejo hoje, é que todo mundo está preocupado em lançar a sua própria candidatur­a.

Você se considera um símbolo das Diretas Já?

Claro, eu estive em todos os comícios, foram 32 das Diretas, e 15 ao lado de Tancredo. É engraçado porque foi feito um documentár­io na Globo chamado Os Dias Eram Assim ,e me apagaram das Diretas. Falaram com Deus e o mundo. Tiraram eu assistindo emocionada, na Candelária, a minha música, a minha voz, e botaram outras vozes no documentár­io. E eu não sei onde incomodo. Acho que eu sou muito índia e muito direta, não sei fazer jogos. Não tenho panela, sou transparen­te, eu não me adequo a situações com as quais eu não fecho. Mas o grande símbolo das Diretas, desculpem, sou eu. •

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ARYANNE ALMEIDA
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