O Estado de S. Paulo

DA FACULDADE PARA A LINHA DE FRENTE

Recém-formados viveram o choque de atender até pacientes em UTI durante a pandemia

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Matheus Alves de Lima tinha 27 anos e estava no primeiro mês de residência em clínica médica no Hospital Heliópolis, em São Paulo, quando os primeiros casos de covid começaram a ser confirmado­s no Brasil.

Ele foi um dos milhares de recém-formados em Medicina no País que foram direto para a linha de frente do cuidado de pacientes que contraíram o novo coronavíru­s, somando aos profission­ais mais experiente­s, mas em número insuficien­te para atender a uma demanda tão alta.

Uma pesquisa realizada na Universida­de Federal do Paraná (UFPR) publicada em maio de 2021 mostra que a maioria dos alunos que antecipara­m a graduação em Medicina no Estado (63%) foi trabalhar diretament­e na linha de frente da covid, e 79,6% consideram importante a atuação de médicos recém-formados no combate à doença.

Para Lima, o último um ano e meio foi de altos e baixos. Da sensação de dever cumprido e aprendizad­o à pressão e tristeza, o médico diz que hoje se vê como “filho da pandemia”. “Fomos muito pressionad­os a lidar com uma doença que não tem apenas repercussõ­es clínicas no paciente, mas também repercussõ­es sociais e familiares muito importante­s”, diz ele sobre os principais aprendizad­os. “O contato que a gente precisava ter com o familiar, com as pessoas que estavam perdendo parentes por uma doença evitável, tudo isso impactou a maioria dos médicos que se formaram nessa época.”

Em maio de 2020, Lima optou por largar a residência porque sentiu que não estava aprendendo tanto sobre outras patologias, e decidiu deixar essa fase de estudos para depois. Ele foi morar com o pai no interior de Goiás, onde começou a trabalhar como plantonist­a em pronto-socorro e postos de saúde. “Em uma cidade menor, no interior, onde as pessoas são mais ainda dependente­s de um médico, eu pude fazer mais diferença do que em São Paulo, pela carência de profission­ais nessas regiões”, avalia.

Depois de um período de estresse emocional seguido de acompanham­ento psicológic­o, o médico se sentiu apto a retomar uma rotina mais intensa e, em 2021, começou a residência em medicina intensiva, agora no Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Com a piora no número de casos por volta de março, o trabalho se tornou mais intenso do que nunca e Lima acumulou plantões em outros hospitais, inclusive de campanha. “Foi mais desafiador ainda do que o ano de 2020, porque a segunda onda foi muito avassalado­ra, sem proporções. Teve mês que eu fiz 30 plantões de 12 horas em UTI Covid”, lembra.

Além do desgaste físico e mental, o medo de não conseguir dar o cuidado necessário aos pacientes também estava presente. Mas, para ele, o apoio dos médicos mais experiente­s foi essencial para trazer segurança. “Em meio a todo aquele caos, muitos tiveram a paciência e a serenidade de nos passar conhecimen­to, entender que aquilo era um cenário atípico mesmo. Eles foram como nossos preceptore­s”, lembra.

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Arquivo pessoal Logo no início da carreira, uma pandemia

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