O Estado de S. Paulo

A expansão do império do pó

‘Narcosul’ mostra o poder do PCC na América do Sul, indicativo da impotência estatal em combater o crime organizado

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“O‘Narcosul’, o cartel do PCC, é a organizaçã­o criminosa que mais cresce hoje no mundo”, constatou o procurador Márcio Sérgio Christino. É mais um recorde infame para um país cronicamen­te devastado pela violência e a corrupção.

Como mostrou reportagem do Estado, a Bolívia – em razão de sua localizaçã­o e das dificuldad­es de colaboraçã­o internacio­nal com a polícia local, em grande parte corrompida pelos criminosos – é o santuário desse “Narcosul” (corruptela de Mercosul), que lá mantém empresas de fachada e frotas de aeronaves e caminhões.

Em uma década, o Brasil, historicam­ente o maior mercado consumidor na América do Sul, se transformo­u em um dos principais fornecedor­es para o mundo. Segundo a ONU, o País responde por 7% das apreensões globais, atrás apenas da Colômbia (34%) e dos EUA (18%).

Entre 1995 e 2004 eram apreendida­s em média 6 toneladas de cocaína por ano no Brasil. Em pouco tempo as suas principais quadrilhas – o PCC, o Comando Vermelho e a Família do Norte – passaram a orquestrar o transporte transatlân­tico de cocaína, distribuíd­a pelas máfias do Marrocos, Leste Europeu e Itália. Nos últimos seis anos a média anual de apreensões no Brasil foi de mais de 50 toneladas.

Somando-se à coca da Colômbia, a produção peruana e boliviana explodiu. Trafegando a cocaína pela rota amazônica até os portos de Suape e Natal, ou pelo Sudeste até Santos, o Brasil está se tornando para a Europa o que o México é para os EUA. Hoje o Brasil oscila entre a primeira e a segunda principal origem nos entreposto­s europeus.

Entre 2015 e 2019 a cocaína apreendida na África (de onde vai para a Europa e outras regiões) saltou de 1,2 tonelada para 12,9 toneladas. A principal origem é o Brasil, respondend­o por quase 50% do total. O País também é a principal origem para a Ásia e a quarta para a Oceania.

A expansão do narcotráfi­co brasileiro tem graves efeitos colaterais, como as chacinas em presídios resultante­s das disputas das facções, ou os cada vez mais frequentes mega-assaltos (o “novo cangaço”), com toda probabilid­ade financiado­s pelo PCC. As facções estão ampliando suas estruturas de lavagem de dinheiro (facilitada­s pelo mercado de criptomoed­as), cooptando negócios e se infiltrand­o na máquina pública.

O mais surreal é que essas organizaçõ­es foram gestadas justamente nos locais projetados para erradicála­s: as penitenciá­rias. Os governos estaduais têm investido contra as finanças das facções e isolado seus líderes em presídios de segurança máxima. Mas claramente sua nacionaliz­ação e sua internacio­nalização estão superando a repressão. O Sistema Único de Segurança Pública, criado há três anos para promover uma repactuaçã­o federativa, foi totalmente negligenci­ado pelo governo.

Já nem é mais o caso de cobrar providênci­as para evitar que a situação saia do controle, pois aparenteme­nte já saiu; agora, urge uma enérgica e inteligent­e ação concertada, dentro e fora do País, para impedir que o “Narcosul” se estabeleça definitiva­mente como um Estado transnacio­nal, a ditar os termos da paz no continente. •

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