O Estado de S. Paulo

Cinzas de queimadas viram releitura artística na capital

Mundano colheu restos de árvores transforma­das em carvão pelo fogo para criar a obra na região da Prestes Maia

- Priscila Mengue

Foram alguns milhares de quilômetro­s de expedição pela Amazônia, Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica ao longo de um mês. Do combate ao fogo por brigadista­s voluntário­s a conversas com cientistas que monitoram os incêndios diariament­e, o artista paulistano Mundano, de 36 anos, testemunho­u de perto a devastação de biomas brasileiro­s. Em equipe, ele recolheu 220 quilos de cinzas e restos de árvores que viraram carvão e os transformo­u em mais de 50 tonalidade­s de tinta cinza para produzir o mural gigante O Brigadista da Floresta.

Com 46 m de altura e mil m², a obra ocupa a fachada lateral de um prédio na Rua Capitão-mor Jerônimo Leitão, próximo da Avenida Prestes Maia, no centro de São Paulo. A inauguraçã­o oficial será na tarde de hoje, com a presença da equipe responsáve­l e do brigadista retratado na peça.

Trata-se de uma releitura do quadro O Lavrador de Café, de Cândido Portinari. “Releituras são uma forma de atualizar. É a mesma denúncia que

Portinari já fazia nas suas telas, da invisibili­dade do trabalhado­r. O cafezal já era o agro desmatando a Mata Atlântica”, compara. No mural, o artista retratou o brigadista voluntário Vinícius Curva de Vento, de 36 anos, morador da Vila de São Jorge, em Alto Paraíso de Goiás. Ao Estadão, o brigadista conta que o combate às chamas é extenuante. “É perigoso, insalubre, com muita fumaça. Dá ferida, intoxica.”

Esta é a terceira vez que

Mundano usa em sua arte o que chama de “resíduos de crimes ambientais”. Com lama coletada em Brumadinho (MG) após o rompimento da barragem da Vale, criou outro mural gigante, inspirado em

Operários, de Tarsila do Amaral, próximo do Mercadão, em 2020. No mesmo ano, usou amostras de óleo que surgiram na costa brasileira em uma releitura de Grande Onda de Kanagawa, do japonês Katsushika Hokusai.

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Inspirado em lavrador de Portinari, homenageou heróis invisíveis

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