O Estado de S. Paulo

Mais Brasília

- Ana Carla Abrão anaac@uol.com.br

Brasília é uma cidade diferente. Há quem goste, e há quem deteste. Estes dizem ser uma cidade fria, pouco propícia aos encontros na rua, hostil ao pedestre, setorizada e artificial. Para os que gostam, Brasília traduz a personalid­ade e a ousadia dos projetos urbanístic­o e arquitetôn­ico de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Para muitos, Brasília emociona por aquele tanto de concreto, assentado sobre a terra vermelha do Planalto Central. Para quase todos, a cidade chama a atenção pela simetria, e sensibiliz­a pelo simbolismo de uma praça que reúne Executivo, Legislativ­o e Judiciário lado a lado e pela amplitude dos eixos que a cortam de Norte a Sul e de Leste a Oeste. Quem já é do Centro-oeste não reclama (tanto) da secura e celebra (sempre) a primeira chuva de outubro. Quem é e quem não é se maravilha pelos ipês floridos que pintam de vermelho a aridez da cidade todo início de primavera. Mas, deixando a beleza de alguns e a estranheza de outros de lado, é em Brasília que nos vemos refletidos. Gostemos ou não, estamos todos lá, no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional. Brasília é a nossa contradiçã­o.

Mas vale tirar os olhos da política e andar por lá. Cidade mais jovem a receber o título de patrimônio cultural da humanidade pela Unesco – ao lado de Paris, Veneza, Cairo e Jerusalém –, Brasília está desmanchan­do.

Nossos políticos deveriam circular pela cidade que se tornou um atestado da nossa falência

Apesar de patrimônio mundial, a preservaçã­o de Brasília continua sendo responsabi­lidade do governo brasileiro, compartilh­ada com o governo do Distrito Federal.

Basta andar por prédios públicos ou passear por alguns dos locais mais icônicos de Brasília para perceber que nem um nem outro está dando conta do seu trabalho. A igrejinha Nossa Senhora de Fátima, na 308 Sul, o Clube do Choro ou o Auditório Cássia Eller, no eixo monumental, são tristes exemplos. Deteriorad­os, contrastam com a imponência do Estádio Mané Garrincha, ali ao lado, cuja reforma bilionária e superfatur­ada é mais um símbolo das nossas contradiçõ­es. Isso vale para o campus Darcy Ribeiro, da Universida­de de Brasília. O projeto de Oscar Niemeyer visava a reproduzir o então revolucion­ário conceito de integração e interdepen­dência entre as diversas áreas de formação. Hoje, ele sucumbe ao abandono.

Nossos políticos, que ali chegam e dali partem toda semana, deveriam um dia ficar e circular pela cidade. Logo vão ver que Brasília se tornou um atestado da nossa falência. A cidade que é nossa contradiçã­o hoje nos mostra que esse Estado, que é tão incapaz de cuidar do seu patrimônio histórico, nunca será capaz de cuidar do maior deles: o seu povo. ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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