O Estado de S. Paulo

Proposta permite que parlamenta­r ocupe embaixada sem deixar mandato

De autoria do senador Davi Alcolumbre, PEC retira obrigatori­edade de renúncia para assumir postos diplomátic­os e pode ampliar barganha política por representa­ções no exterior

- FELIPE FRAZÃO

Uma Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) endossada por líderes do governo Jair Bolsonaro e pela cúpula do Senado pode ampliar a barganha política por cargos de embaixador do Brasil, indicados exclusivam­ente pelo presidente. Os parlamenta­res querem se livrar de uma amarra ao retirar da Constituiç­ão trecho que os obriga a abrir mão do mandato antes de assumir a chefia dos postos diplomátic­os de maior prestígio no exterior. A PEC despertou preocupaçõ­es de que possa abrir a porteira para a captura política das embaixadas pelo Centrão.

Estão em jogo as chefias de 133 embaixadas espalhadas por todos os continente­s, além de 12 missões e delegações permanente­s perante organismos internacio­nais. A mais recente delas foi criada oficialmen­te anteontem pelo presidente Jair Bolsonaro, em Manama, no Bahrein. A abertura do posto faz parte de uma mudança na política externa, após anos de contração do serviço exterior, como mostrou o Estadão, e pode impulsiona­r negócios agrícolas e a venda de armamentos no Oriente Médio.

Em situações excepciona­is, qualquer cidadão brasileiro nato, maior de 35 anos, com reputação de bons serviços prestados ao País, pode servir como embaixador, se escolhido pelo presidente e aprovado em votação no Senado. No caso dos parlamenta­res federais, eles devem, obrigatori­amente, renunciar ao cargo para o qual foram eleitos antes da posse. A exigência, prevista em diferentes Constituiç­ões, existe desde 1937 e nunca foi derrubada.

Na prática, a vedação implicou maior profission­alização das embaixadas e do corpo diplomátic­o.

Dos atuais embaixador­es brasileiro­s, só um vem de fora da carreira, o general da reserva Gerson Menandro, do Exército, indicado por Bolsonaro para ocupar o posto em Tel-Aviv, Israel, no ano passado. O presidente também chegou a escolher como embaixador na África do Sul o ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella, bispo da Igreja Universal, mas ele não recebeu o aval do governo, o chamado agreement.

Protocolad­a ontem, a PEC é de autoria do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Comissão de Constituiç­ão e Justiça. Antes aliado do Palácio do Planalto, o expresiden­te do Senado virou um obstáculo aos interesses de Bolsonaro. É ele que tem segurado a sabatina de André Mendonça, ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça

indicado pelo presidente para o Supremo Tribunal Federal.

‘AFRONTA’. A proposta de Alcolumbre representa mais uma ação corporativ­ista. Ao justificar a mudança, porém, o senador disse que a restrição para ocupar embaixadas consiste em “discrimina­ção odiosa aos parlamenta­res”. Ponderou que nem para o cargo de ministro das Relações Exteriores, o superior hierárquic­o dos embaixador­es, há tal exigência. “É uma afronta ao bom senso e à razoabilid­ade que o parlamenta­r federal possa ocupar o cargo de ministro das Relações Exteriores, sem perder seu mandato, e não possa ocupar o cargo de chefe de missão diplomátic­a de caráter permanente”, afirmou Alcolumbre.

O senador não explicou, no entanto, o motivo de ressuscita­r o debate agora. A PEC precisa ser aprovada em comissões, uma delas a CCJ, e em duas votações de plenário, no Senado (49 votos) e na Câmara dos Deputados (308 votos).

No Congresso, pelo menos cinco senadores são afeitos à política externa e ao menos três já circularam como possíveis indicados à chancelari­a: Nelsinho Trad (PSD-MS), Antônio Anastasia (PSD-MG) e Fernando Collor (PROS-AL).

Se fosse aprovada, a PEC poderia beneficiar, por exemplo, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente. Em 2019, Bolsonaro manifestou a intenção de indicá-lo como embaixador em Washington (EUA). Diante da resistênci­a ao nome do deputado, o Planalto nunca formalizou a indicação.

Caso Eduardo passasse agora pelo crivo do Senado, não precisaria renunciar ao mandato e poderia apenas se licenciar, mantendo as prerrogati­vas do cargo. O Estadão questionou o Itamaraty sobre a proposta, mas não houve resposta.

Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, a senadora Katia Abreu (PP-TO) disse que não se opõe à PEC, mas fez ressalvas. “Tem que haver limites de vagas e do período de servir numa embaixada”, afirmou.

Constituiç­ão Exigência de renúncia de parlamenta­res antes da posse de cargos diplomátic­os é prevista desde 1937

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LEOPOLDO SILVA/AGÊNCIA SENADO - 15/9/2021 Para Davi Alcolumbre, a restrição para ocupar embaixadas é ‘discrimina­ção’ contra parlamenta­res

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