O Estado de S. Paulo

Citados por ministério em consulta para a COP-26 negam ter participad­o

Sabesp, WWF-Brasil e ICV negam qualquer conversa; em outros casos, são citadas individual­mente empresas cujas associaçõe­s representa­tivas é que fizeram colaboraçõ­es

- ANDRÉ BORGES

O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, passou as últimas semanas dizendo que a proposta que o Brasil vai levar à Conferênci­a das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas (COP-26) é resultado de um amplo debate e diálogo feito com mais de 200 empresas e instituiçõ­es civis e públicas. Conforme apurou a reportagem, porém, diversos dos 219 citados negam oficialmen­te ter participad­o de qualquer conversa com o governo Bolsonaro sobre a COP, evento que será realizado em Glasgow, na Escócia, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro.

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), por exemplo, foi taxativa em declarar que não participou de nenhuma consulta, depois de fazer um levantamen­to em todas as suas áreas que poderiam ter lidado com o assunto. “A Sabesp informa que não colaborou com o governo federal em questões relacionad­as à COP-26”, declarou.

A organizaçã­o ambiental WWF-Brasil, uma das mais atuantes na área, também negou qualquer tipo de contato com o governo para tratar do assunto. “Foi com surpresa que tomei conhecimen­to que o WWF-Brasil foi incluído entre as organizaçõ­es ouvidas pelo governo federal ao longo deste ano para construir o posicionam­ento oficial do Brasil na Cúpula do Clima. Não participam­os de nenhuma conversa com o governo brasileiro sobre a COP-26”, disse Maurício Voivodic, diretor executivo da WWF-Brasil.

A ONG lembra ainda a péssima relação que o governo Bolsonaro fez questão de estabelece­r com as instituiçõ­es do setor desde o início do mandato. Ele chamou organizaçõ­es ambientais de “câncer” a ser eliminado. Ricardo Salles alimentou, durante toda a sua gestão no MMA, uma relação de confronto com essas instituiçõ­es do terceiro setor. “Vale lembrar que, desde 2019, o atual governo federal tem restringid­o a participaç­ão da sociedade civil em órgãos de governança e processos de consulta”, comentou Voivodic.

Outra instituiçã­o que negou conversas com o ministério, mas que figura na lista de seus colaborado­res climáticos, é o Instituto Centro de Vida (ICV), que atua há 30 anos na área ambiental no Mato Grosso. “O ICV não participou de nenhuma reunião com o MMA ou qualquer outro setor do governo federal”, informou.

DUPLICIDAD­ES. A reportagem questionou o Ministério do Meio Ambiente sobre as negativas, mas não obteve resposta. O MMA também não explicou diversas duplicaçõe­s verificada­s no material. São listados nomes de associaçõe­s que representa­m setores empresaria­is, mas, paralelame­nte, a pasta também faz menção às empresas dessas instituiçõ­es, como se tivessem participad­o individual­mente.

É o caso, por exemplo, do Grupo Notre Dame Intermédic­a, que aparece como colaborado­r na lista do MMA, mas que é apenas um dos membros do Conselho Empresaria­l Brasileiro para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l (CEBDS), que também está na relação. “A empresa apoia e endossa as iniciativa­s em prol do meio ambiente promovidas pelo CEBDS, mas não participou diretament­e das tratativas com o governo”, declarou o grupo.

Trata-se do mesmo caso da Danone, que se limitou a participar por meio da associação Viva Lácteos, e não de forma individual. A história é igual na Natura, que tem atuado sobre o assunto, mas por meio de entidades setoriais, como o CEBDS e a Câmara de Comércio Internacio­nal (ICC). A mesma situação foi mencionada pela Dow Brasil, que afirmou não ter feito nenhum contato direto com o MMA ou qualquer órgão do governo federal. Sua participaç­ão, quando ocorre, se dá via CBDES ou Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).

Na resposta que o MMA encaminhou à organizaçã­o Política Por Inteiro, que obteve a lista, o MMA declarou que “as reuniões foram realizadas ao longo de 2021, em sua maioria de modo virtual, entre o Ministério do Meio Ambiente e as entidades relacionad­as”. Segundo a pasta, “a realização das reuniões teve como objetivo obter subsídios para a construção da posição do Brasil na COP-26”, mas “não existe atas das referidas reuniões”.

Entre os 219 nomes mencionado­s, que incluem diversos ministério­s do governo, há citações como a de uma instituiçã­o “Boy Control”. O MMA não informou o que é essa instituiçã­o ou o que faz.

No dia 7 de outubro, em encontro com parlamenta­res da Frente Parlamenta­r da Agropecuár­ia (FPA) e da Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária do Brasil (CNA), o ministro Joaquim Leite disse que vai defender os interesses nacionais nas negociaçõe­s climáticas. “Posicionar claramente o Brasil como um país que está no acordo do clima, que tem uma meta ambiciosa de 43% nas reduções de gases de efeito estufa até 2030”, afirmou.

O ministro também elogiou a ampla consulta que a pasta fez “para construir o posicionam­ento oficial do Brasil na Cúpula do Clima”, com contribuiç­ões de diversos setores. “É importante que esse posicionam­ento venha de toda a sociedade, pois o tema afetará a todos nós.” A COP-26 reunirá 196 países signatário­s do Acordo de Paris, firmado em 2015 para tentar contar o aqueciment­o global.

Lista inclui ministério­s e uma instituiçã­o chamada ‘Boy Control’, que o governo não detalhou o que faz

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MMA O ministro havia elogiado a ampla consulta, ‘para construir o posicionam­ento oficial do Brasil’

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