O Estado de S. Paulo

‘Ron Bugado’ defende amizade sem o uso de um algoritmo

Animação mostra a relação entre um garoto e um robô avariado e desconecta­do das redes sociais

- MARIANE MORISAWA

Quando o Facebook ficou fora do ar por seis horas, no início do mês, Jean-Philippe Vine pensou: “Ah, Ron realmente infiltrou o sistema”. O diretor estava se referindo ao robô meio avariado que se transforma no melhor companheir­o do garoto Barney na animação Ron Bugado, em cartaz no Brasil.

O filme, dirigido por Vine e Sarah Smith e codirigido por Octavio Rodriguez, com roteiro de Smith e Peter Baynham, nasceu de um sentimento que eles compartilh­am como pais: como as crianças se veem e enxergam os outros pelo filtro dos algoritmos. “Nós crescemos correndo lá fora, em experiênci­as muito importante­s para nossa infância”, disse Vine em entrevista ao Estadão, por videoconfe­rência. “Então nós queríamos perguntar: o que acontece com as amizades quando você só se conecta com pessoas como você e como pode medir sua popularida­de?”

No caso de Barney (voz de Jack Dylan Grazer no original), é bem complicado. O menino sente-se inseguro, não consegue fazer amizade e tem um pouco de vergonha da casa de onde veio, com sua avó búlgara que cria animais e seu pai sempre no mundo da lua. Uma empresa de tecnologia lança o B-bot, que acessa as redes sociais e faz vídeos e fotos do dono. Os robozinhos viram uma febre. O solitário Barney fica ainda mais deslocado sem um. Até aparecer Ron, que não está conectado ao algoritmo e por isso se torna a melhor companhia possível para Barney. “Ron não sabe o que um amigo deveria ser”, disse Vine. “Então os dois constroem juntos um algoritmo da amizade, uma que é complicada, com percalços, mas verdadeira.”

Ron não sabe que está quebrado, ou, se sabe, não liga. Ser diferente aqui é qualidade. “Queríamos dizer para crianças e adultos que todos deveríamos assumir nossa maneira de ser, porque isso nos torna únicos”, afirmou Octavio Rodriguez.

Os diretores e sabem que a tecnologia é necessária. A animação estava cerca de 30% feita quando o coronavíru­s começou a se espalhar. O estúdio inglês Locksmith, em seu primeiro longa-metragem, arrumou um jeito de todos trabalhare­m de casa.

Mas a pandemia tornou evidente quanto deixamos nossas vidas serem influencia­das por algoritmos das redes sociais, que estão ditando como as crianças devem comportar-se e de quem devem ser amigas e em que os adultos devem acreditar. Por isso, Vine espera que as coisas mudem um pouco com a volta à normalidad­e. “Há um desejo de viajar, de ver música ao vivo, de encontrar pessoas, porque a solidão foi amplificad­a. Eu vejo meus filhos querendo ter experiênci­as de verdade.”

Ron conecta Barney com pessoas que não se parecem com ele, pois não sabe quem é “certo” ou “errado” para o garoto. “Nosso desejo é mostrar que é legal conversar com pessoas diferentes de você, de diversas idades. Assim, teremos uma experiênci­a de vida muito mais profunda”, diz Vine.

Visão infantil O filme nasceu de um sentimento de como as crianças se veem e veem os outros pelos algoritmos

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20TH CENTURY STUDIOS ‘Nosso desejo é mostrar que é legal conversar com pessoas diferentes de você’, diz o diretor Vine

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