O Estado de S. Paulo

Alesp deve agir contra a barbárie

As agressões de um deputado bolsonaris­ta ao arcebispo de Aparecida e ao papa refletem o abuso das prerrogati­vas parlamenta­res que, deixado impune, fez a fama do presidente

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Odeputado estadual Frederico d’avila (PSL) é daquelas figuras obscuras que ganharam projeção eleitoral na onda reacionári­a que culminou na vitória de Jair Bolsonaro na disputa pela Presidênci­a da República em 2018. A ascensão de um rematado agressor da decência, da ética, dos princípios republican­os e da moralidade na administra­ção pública ao topo do Poder Executivo federal espalhou País afora outros que pensam e agem como ele. O bolsonaris­ta Frederico d’avila veio aportar na Assembleia Legislativ­a do Estado de São Paulo (Alesp).

Como deputado estadual, o comportame­nto de D’avila assemelha-se muito ao do próprio Bolsonaro quando este era deputado federal. Seus discursos na tribuna da Alesp, em geral, são marcados por ataques extremados contra adversário­s políticos e figuras ligadas à esquerda, vivas ou mortas, ou que ele julga estarem associadas a pautas ditas “esquerdist­as”. Há cerca de um ano, em um de seus discursos mais agressivos até então, D’avila chegou a exibir da tribuna da Alesp imagens de cadáveres de militantes políticos que combateram a ditadura militar afirmando que “quem luta contra o País termina assim”. É desse tipo de gente que se está tratando.

Como não há limites para tipos como Frederico d’avila até que as instituiçõ­es os imponham, o parlamenta­r prosseguiu em sua espiral de infâmias a pretexto de exercer o que entende por “liberdade de expressão”.

Durante a sessão plenária da Alesp no dia 14 passado, D’avila chamou o arcebispo de Aparecida (SP), dom Orlando

Brandes, de “vagabundo” e “safado da CNBB (Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil)”. O deputado se insurgiu contra o que chamou de “recadinhos” de dom Orlando “a Bolsonaro e à população brasileira” durante sua homilia na missa solene no Santuário Nacional no dia da padroeira do Brasil – ocasião em que o arcebispo disse que “pátria amada não pode ser pátria armada”. Na torpe visão do deputado bolsonaris­ta, “pátria amada é a pátria que não se submete a essa gentalha”, referindo-se tanto ao arcebispo de Aparecida como ao papa Francisco, também chamado por ele de “safado” e “pedófilo”. Nada menos.

No domingo passado, a CNBB publicou uma carta dirigida à Alesp na qual repudiou os ataques do deputado contra a Igreja Católica e cobrou da Assembleia uma “rápida” resposta à agressão. A mensagem destacou o “ódio descontrol­ado” do parlamenta­r contra o papa, a CNBB e dom Orlando Brandes. Para a CNBB, o deputado “feriu e compromete­u a missão parlamenta­r, o que requer imediata e exemplar correção pelas instâncias competente­s”.

Até o momento, a resposta da Alesp foi um protocolar pedido de desculpas feito por seu presidente, o deputado Carlão Pignatari (PSDB). “Em nome de todo o Parlamento paulista, como presidente desta Casa, repudio todo e qualquer uso da palavra que vá além da crítica e que se constitua em ataques, extrapolan­do os limites da liberdade de expressão e da imunidade parlamenta­r concedida aos representa­ntes públicos eleitos”, disse Pignatari na abertura da sessão plenária do dia 18 passado.

Por sua vez, Frederico d’avila afirmou que sua fala foi “inapropria­da e exagerada pelo calor do momento”. Não por acaso, a mesma desculpa esfarrapad­a – o “calor do momento” – foi usada por Bolsonaro para justificar seu vitupério contra ministros do Supremo Tribunal Federal no 7 de Setembro. Ora, o parlamenta­r subiu à tribuna da Alesp 48 horas depois da homilia de dom Orlando, tempo mais do que suficiente para amadurecer uma contradita articulada e respeitosa, se assim julgasse convenient­e. Mas moderação e bom senso são terra estrangeir­a para bolsonaris­tas de verdade.

O teor do pedido de desculpas do deputado Pignatari já toca no ponto central da questão: os limites da liberdade de expressão e da imunidade parlamenta­r.

Por anos, agressões semelhante­s feitas pelo então deputado Bolsonaro no plenário da Câmara foram toleradas. Deu no que deu. Há quatro representa­ções por quebra de decoro contra D’avila no Conselho de Ética da Alesp. Em nome da decência e da democracia, é fundamenta­l que a Casa não seja condescend­ente com a barbárie travestida de discurso político.l

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