O Estado de S. Paulo

Gangues ocupam vácuo de poder e espalham terror nas ruas do Haiti

Grupos criminosos ganham espaço e governo é acusado de usar bandidos como ferramenta para ampliar repressão

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Eles estupraram mulheres, queimaram casas e mataram dezenas de pessoas, incluindo crianças, esquarteja­ram os corpos e atiraram os restos aos porcos. O massacre de três anos atrás, um dos piores da história do Haiti, foi mais do que uma disputa entre gangues. Foi organizado por funcionári­os do alto escalão do governo, que forneceram armas e carros aos bandidos para punir moradores de uma área pobre que protestava­m contra a corrupção.

Desde então, as gangues se tornaram tão fortes que governam uma parte do Haiti. O criminoso mais conhecido é um ex-policial, Jimmy Cherizier, conhecido como “Barbecue”. Ele se coloca como um líder político, faz coletivas de imprensa, lidera marchas e desfila como substituto do premiê.

“As gangues no Haiti têm mais autoridade do que nossos líderes”, disse Marie Yolène Gilles, chefe da Clear Eyes Foundation, grupo de direitos humanos. “Se eles disserem: ‘Fique em casa’, você fica em casa. Se eles disserem: ‘Saia’, você sai. É aterroriza­nte.”

O sequestro de 17 missionári­os na semana passada, realizado pela gangue 400 Mawozo, ressaltou o poder das gangues. Segundo estimativa­s, elas já controlam mais da metade do território e, em alguns lugares, operam como governos de facto, com seus próprios tribunais, polícia e impostos.

Especialis­tas dizem que as gangues sempre tiveram influência nos bairros pobres, mas começaram a ganhar mais espaço depois que Jovenel Moïse assumiu como presidente, em 2017, e começou a usar as gangues como ferramenta de opressão.

EUA e ONU sabem da ligação entre gangues e Estado, mas fazem pouco para resolver o problema por medo de deixar o Haiti ainda mais instável, segundo funcionári­os do governo. Mas a aparente estabilida­de desmoronou em julho, quando Moïse foi assassinad­o em seu quarto, expondo ainda mais a fraqueza institucio­nal do país.

“Moïse enfraquece­u a polícia e o Judiciário”, disse Pierre Espérence, diretor da Rede Haitiana de Defesa dos Direitos Humanos. “Não há controle no porto, na fronteira, no aeroporto. Armas e munições chegam facilmente. E eles usam as gangues para massacrar as pessoas nas favelas e garantir o controle político nas eleições.”

Em Porto Príncipe, a população vive aterroriza­da. Na maltratada economia haitiana, o sequestro tornou-se fonte de renda. Cherizier, que lidera uma aliança de gangues, nega ligação com o governo e se apresenta como um revolucion­ário, lutando contra a pobreza.

No domingo, um dia após o sequestro dos missionári­os, a comitiva do governo foi recebido a tiros em cerimônia em homenagem a Jean-jacques Dessalines, patriarca do Haiti. Cherizier, então, liderou a procissão, como se fosse o verdadeiro presidente. Marie Gilles acredita que ele será candidato na próxima eleição. “Tudo pode acontecer neste país”, disse. “Não seria a primeira vez que alguém com problemas com a lei seria eleito.” •

“As gangues no Haiti têm mais autoridade do que nossos líderes” Marie Yolène Gilles Diretora da

Clear Eyes Foundation, grupo de direitos humanos

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VICTOR MORIYAMA/NYT Membros de gangue protestam contra governo em Porto Príncipe

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