O Estado de S. Paulo

Segurança às cegas gera impunidade

Mais da metade dos homicídios no Brasil não é elucidada, segundo levantamen­to do Instituto Sou da Paz

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Além das taxas de criminalid­ade aberrantes, o Brasil convive com altos índices de impunidade. A segurança pública opera às cegas. Os dados do sistema penitenciá­rio são historicam­ente opacos. O governo editou decretos flexibiliz­ando a circulação de armas e derrubou medidas do Exército para aprimorar a rastreabil­idade. Segundo levantamen­to do Instituto Sou da Paz, em 17 unidades da Federação a média de elucidação dos homicídios em 2018 foi de 44%. As outras 10 unidades não foram sequer capazes de informar quantos homicídios esclarecer­am.

Segundo a ONU, a média mundial de esclarecim­entos de homicídios é de 63%. Na Europa é de mais de 90%. Com a diferença de que a maioria dos homicídios na Europa é cometida por parceiros ou familiares das vítimas. Já no Brasil os homicídios estão frequentem­ente ligados ao crime organizado, o que significa que a falta de esclarecim­ento implica impunidade a muitos criminosos contumazes e liberdade para suas quadrilhas.

Apenas quatro Estados apresentar­am eficácia alta (acima de dois terços) no esclarecim­ento de homicídios. Em quatro anos, só dois Estados tiveram melhora na categoriza­ção, passando da eficácia baixa para a média, e só dois Estados (Espírito Santo e Rondônia) apresentar­am aumentos contínuos nos índices de esclarecim­ento.

Nesse caso, estagnação implica retrocesso. Como adverte o Sou da Paz, quanto mais demora a atividade investigat­iva, mais difícil fica a identifica­ção dos autores, aumentando as chances de os inquéritos serem arquivados.

Norte e Nordeste, onde a violência, historicam­ente alta, vem aumentando, são também as regiões com mais Estados que apresentar­am dados incompleto­s ou simplesmen­te não apresentar­am. No Paraná, foram esclarecid­os só 12% dos homicídios. No Rio de Janeiro, onde a milícia e o narcotráfi­co consolidam território­s, foram apenas 14%.

O Sou da Paz aponta diversas medidas aos governos estaduais para aprimorar a capacidade investigat­iva, como investimen­tos na estrutura física das unidades e equipament­os das polícias civis, a criação de equipes especializ­adas ou o fortalecim­ento das perícias criminais.

O governo federal herdou da gestão Temer o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado para integrar as ações dos Estados, e o Fundo Nacional de Segurança Pública, para financiar melhorias em inteligênc­ia, investigaç­ão, perícia e consolidaç­ão de dados.

Mas a gestão de Jair Bolsonaro não apenas negligenci­ou o Susp, como tem ampliado padrões operaciona­is pautados no confronto, por exemplo, advogando a ampliação do excludente de ilicitude, elogiando operações com resultado de morte ou estimuland­o a radicaliza­ção das forças policiais e o confronto com os governador­es. Sem diálogo do governo federal com os estaduais, no início de 2021, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas cinco Estados estavam tecnicamen­te credenciad­os a receber recursos do Fundo.

Nos últimos dois anos, a violência voltou a crescer e o crime organizado segue se modernizan­do e internacio­nalizando. Mas a segurança pública continua operando às cegas.l

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