O Estado de S. Paulo

Pfizer defende eficácia de vacina infantil; no Brasil, há mais desafios

Especialis­tas apontam que a Anvisa pode considerar futura aprovação da agência estadunide­nse, mas processo vai demorar e trazer problemas ao PNI

- JOÃO KER

A farmacêuti­ca americana Pfizer afirmou ontem que sua vacina contra covid-19 é 90,7% eficaz em crianças entre 5 e 11 anos, o que abre margem para aplicação nesse público nos EUA. Atualmente, o imunizante da marca é o único aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para adolescent­es de 12 a 17 anos no Brasil. Especialis­tas ouvidos pelo Estadão apontam que, caso a aplicação entre crianças eja aprovada pela FDA, agência reguladora dos Estados Unidos, são boas as chances de que a Anvisa siga um caminho similar no Brasil.

Um grupo de conselheir­os externos da FDA está marcado para se encontrar na próxima terça-feira, e votar se a agência deve ou não autorizar o uso do imunizante em crianças de 5 a 11 anos. A publicação do resultado e a revisão das evidências submetidas pela Pfizer está prevista para a sexta-feira seguinte. Segundo os documentos entregues pela farmacêuti­ca, os eventos adversos registrado­s nas crianças não sugeriram nenhuma preocupaçã­o sobre a segurança do imunizante nesse grupo. Antes, a empresa já havia afirmado que o perfil de segurança no público infantil é comparável ao de jovens entre os 16 e 25 anos.

NO BRASIL. Mesmo com o futuro aval, o País precisará encarar alguns desafios para que este público seja incluído no Programa Nacional de Imunização (PNI), algo que preveem apenas para o próximo ano. José Cássio de Moraes, doutor em Saúde Pública e professor da Faculdade de Ciências

Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), explica que a Anvisa costuma levar em consideraç­ão as decisões da FDA. Porém, ainda é necessário que a Pfizer faça a solicitaçã­o formal e entregue os documentos à agência brasileira para que a bula da vacina seja alterada.

“A gente já sabia desse estudo e a perspectiv­a que tínhamos é de que realmente funcionari­a, porque esse público responde melhor às vacinas do que a população mais velha”, aponta ele. “Acho que facilita muito e pesa o fato de já ter sido aprovada por outra agência reguladora de respaldo”, completa Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacina, que observa que os critérios do órgão estadunide­nse são tão rigorosos quanto os do brasileiro.

Ambos também concordam que a vacinação contra a covid em crianças é essencial, principalm­ente para diminuir as taxas de transmissã­o do vírus no País. Apesar de a mortalidad­e neste grupo ser menor em comparação aos adultos e idosos, o Brasil é o vice-campeão mundial de óbitos infantis pelo coronavíru­s, atrás apenas do Peru. “Apesar de o porcentual dos óbitos entre 5 e 11 anos ser pequeno, com o total geral de mortes chegando a mais de 600 mil no Brasil isso já pode significar algo consideráv­el. É um risco menor, mas existe”, observa Cássio.

Denise também aponta que as novas variantes, como a Delta, desempenha­m um papel fundamenta­l na infecção desse grupo, uma vez que elas se adaptam para encontrar as pessoas mais “vulnerávei­s” ao vírus. “Embora a doença não se manifeste de maneira tão severa em crianças, temos dois fatores: elas também desempenha­m um papel muito importante na cadeia de transmissã­o; e, mesmo que tenham um desempenho melhor com a infecção, uma morte infantil é algo muito sério”, explica. “Quando o denominado­r é uma criança, a coisa muda de figura.”

LOGÍSTICA. Como a Pfizer é, por enquanto, o único imunizante aprovado no Brasil para a faixa etária dos 12 aos 17 anos, a inclusão de um novo público que receba exclusivam­ente essa vacina pode complicar ainda mais o PNI para o coronavíru­s. Cássio defende que sejam definidas prioridade­s na distribuiç­ão da vacina: primeirame­nte, diminuir o intervalo entre as doses de reforço, de seis para quatro meses, e terminar de aplicá-las nos públicos mais vulnerávei­s, como idosos e imunossupr­imidos; em seguida, atender as pessoas que tomaram a primeira dose da Pfizer, para que completem o esquema vacinal; depois, adolescent­es de 12 a 17 anos; e, por fim, as crianças.

Outro ponto a ser considerad­o é que a dose utilizada em crianças equivale a um terço da dosagem dos adultos. Nos EUA, a empresa já tem estudado desenvolve­r um novo frasco, com cor e tampa diferentes, para evitar o desperdíci­o e garantir que a aplicação seja de acordo com o necessário para o público infantil. “Talvez o governo brasileiro precise de uma nova negociação ou até adote uma diluição.”

Com dose equivalent­e a um terço da aplicada em adultos, adoção para crianças envolverá uma mudança logística

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JOSE LUIS GONZALEZ / REUTERS–19/10/2021 Atualmente, o imunizante da Pfizer é o único utilizado no Brasil para o público entre 12 e 17 anos

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