O Estado de S. Paulo

Entre o bem-estar e a felicidade

- Daniel Martins de Barros @danielmbar­ros É PROFESSOR COLABORADO­R DO DEPARTAMEN­TO DE PSIQUIATRI­A DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP

Qual a diferença entre bem-estar e felicidade? Perguntand­o assim, à queima-roupa, pode ser difícil encontrar uma resposta imediata, como aconteceu comigo há alguns anos, quando o teólogo e pastor Ed René Kivitz me desafiou com a questão. Não lembro o que respondi à época, provavelme­nte devo ter-me saído com um evasivo “Hum, boa questão”, e deixei a dúvida num canto da memória, revisitand­o-a preguiçosa­mente de quando em vez, sem enfrentá-la de verdade.

Bem, acho que chegou a hora. Mudar de mala, cuia e coluna para o caderno novo, chamado justamente Bem-estar ,é um momento propício para ver se descobrimo­s de uma vez qual é essa diferença. Assumindo que ela exista, claro, pois eventualme­nte podemos concluir que são sinônimos, quando então poderíamos chamar o caderno de Felicidade.

Mas quando olho para pesquisas mais recentes sobre o tema não me parece que seja o caso de serem a mesma coisa. Nas últimas décadas, as emoções positivas entraram na pauta científica e várias avaliações interessan­tes surgiram. Uma das formas mais básicas de avaliá-las é perguntar para as pessoas como elas estão se sentindo – imagine uma escada com dez degraus, sendo que o primeiro representa a pior vida possível e o décimo a melhor que você poderia ter; imaginou?

É preciso que cresça nossa compreensã­o sobre nós mesmos para fazermos escolhas sábias

Então responda: em que degrau você está?

O problema é que tal pergunta, base para o cálculo de felicidade interna bruta (FIB) feito pela ONU, não diferencia como estou de como sou. A gente pode não estar feliz naquela hora, mas de forma geral nos considerar­mos felizes. E quando pesquisas foram nessa linha descobrira­m que isso de fato acontece. Pessoas com doenças crônicas, por exemplo, ao longo dos dias tinham vários momentos de mal-estar por conta dos sintomas, mas de forma geral não eram mais infelizes do que as pessoas saudáveis.

Portanto deve haver mesmo uma desconexão entre felicidade e bem-estar. Se esses conceitos têm alguma semelhança talvez seja no máximo entre bem-estar e felicidade momentânea. Mas a satisfação com a vida é algo maior que a soma desses momentos.

Não sei se responde completame­nte à questão, mas mostra que o trabalho por aqui será dobrado. Afinal, não basta refletir sobre o comportame­nto individual; e, como sociedade, é preciso que isso aumente nossa compreensã­o sobre nós mesmos para podermos fazer escolhas sábias. Tanto a cada momento como para a vida em geral. Não é uma fórmula infalível, mas parece ser uma atitude essencial para a felicidade. E para o Bem-estar.

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