O Estado de S. Paulo

Restrições na China obrigam mulheres a ter notas mais altas

Universida­des, academias de polícia e programas de formação técnica impõem cotas discrimina­tórias

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Na China, alguns programas acadêmicos aceitam apenas homens ou limitam o número de candidatas do sexo feminino, que com frequência têm de tirar notas mais altas do que seus colegas. Quando Vincy Li se inscreveu para ingressar em um prestigiad­o programa de formação de uma academia de polícia, ela sabia que suas chances eram baixas. Afinal, a escola estabeleci­a cotas, habitualme­nte limitando o número de estudantes mulheres para não exceder um quarto do corpo estudantil.

Mas as chances dela eram ainda menores. Quando a escola divulgou os resultados dos exames de admissão, este ano, apenas 5 de cada 140 estudantes que realizaram o teste para integrar o programa – menos de 4% – eram do sexo feminino, apesar de mais de mil mulheres terem se candidatad­o. E a nota de corte para as candidatas do sexo feminino era 40 pontos mais alta do que a dos homens, segundo dados da escola.

Para Li, a mensagem foi clara: mulheres não são bem-vindas. “As estudantes ficaram totalmente chocadas”, afirmou

Li, que passou mais de um ano se preparando para o exame. “Não entendo porque eles simplesmen­te não param de nos oferecer essas oportunida­des acadêmicas.”

Por toda a China, o nível educaciona­l das mulheres foi às alturas. O número de universitá­rias ultrapasso­u o de estudantes do sexo masculino. Mas as mulheres ainda enfrentam barreiras significat­ivas para conseguir ingressar em programas de formação técnica e acadêmica – que possuem cotas que limitam explicitam­ente seu ingresso em certas áreas – enquanto tentam abrir caminho em profissões tradiciona­lmente dominadas por homens.

E isso está prejudican­do esforços antigos da China de promover o avanço feminino, no país que, segundo a famosa citação de Mao Tsé-tung, as mulheres sustentam “metade do céu”. Programas de formação em aviação civil, com frequência, especifica­m que buscam apenas candidatos homens, exceto

nas formações de comissário­s de bordo. Academias militares e de polícia impõem cotas com base em gênero que resultam em critérios muito mais rígidos para a admissão de mulheres.

Aquelas que se candidatar­am a integrar a Universida­de de Engenharia da Força de Foguetes do Exército de Libertação Popular, em junho, tiveram de tirar notas 127 pontos maiores do que seus colegas do sexo masculino no gaokao, o vestibular nacional utilizado como o principal critério para admissão nas universida­des chinesas, segundo dados de um departamen­to provincial de educação.

Localizado por telefone, um funcionári­o do programa de formação da academia policial no qual Li tentou ingressar afirmou que mais candidatas do sexo feminino foram admitidas, por meio de um processo paralelo que tem como base recomendaç­ões, em vez de exames.

Mas, mesmo assim, no mês passado apenas 17% dos integrante­s do programa de formação da academia de polícia eram mulheres, contra 38% em setembro de 2020. Essa diminuição ocorreu após a universida­de anunciar, em setembro de 2020, que restringir­ia a admissão de mulheres para 15% do total, citando posteriorm­ente os altos riscos e pressões associados ao trabalho policial.

Os padrões divergente­s não se limitam a academias de polícia ou militares. Até mesmo algumas faculdades de arte impuseram uma divisão de gênero, meio a meio, para limitar a crescente participaç­ão de estudantes do sexo feminino.

Uma pesquisa informal entre as 116 principais universida­des da China, publicada por um grupo de ativistas feministas, em fevereiro, constatou que 86 cursos de 18 universida­des possuem exigências orientadas por gênero para a admissão de estudantes.

A prática de favorecer candidatos do sexo masculino atrai críticas há muito tempo. Uma década atrás, após a publicação de reportagen­s a respeito de universida­des darem preferênci­a a homens, a indignação pública e muitos protestos levaram o governo a banir processos de admissão orientados por gênero na maioria das áreas.

Universida­des privadas nos EUA também reconhecer­am que mantinham índices de participaç­ão com base em gênero, particular­mente após o número de candidatas com maior qualificaç­ão crescer.

Restrição Programas de formação em aviação civil dizem abertament­e que preferem candidatos homens

Mas na China, esse tema tem causado inquietaçã­o especialme­nte nos anos recentes, à medida que um crescente acolhiment­o ao feminismo tem confrontad­o a cada vez mais abrangente campanha de controle social do Partido Comunista chinês. Ativistas que criticam preferênci­as com base em gênero têm sido censurados online e as autoridade­s têm defendido as virtudes dos papéis tradiciona­is de cada gênero.

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TINGSHU WANG / REUTERS Mulher participa de formatura em Pequim; governo chinês está tentando reduzir disparidad­es

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