O Estado de S. Paulo

É crucial voltar a investir no País

Mesmo que faça muito bem o que precisa ser feito, o Brasil levará ainda duas décadas para reconstrui­r a infraestru­tura indispensá­vel ao cresciment­o

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Se bem conduzido a partir do início do governo que tomará posse no dia 1.º de janeiro de 2023, um programa de modernizaç­ão da infraestru­tura do País levará duas décadas para ser concluído com resultados que assegurem o cresciment­o contínuo da economia brasileira. Além de boa gestão pública, item de que o Brasil carece agudamente desde a posse de Jair Bolsonaro na Presidênci­a da República, um programa com essas caracterís­ticas exigirá muito mais recursos – públicos e privados, sobretudo estes – do que tem sido aplicado nos últimos anos. O desafio é imenso, não apenas para assegurar os investimen­tos necessário­s, mas, sobretudo, para estabelece­r regras claras e estáveis que estimulem a entrada de capital privado e garantam sua adequada remuneraçã­o e, no setor público, critérios de transparên­cia e de planejamen­to que evitem o arbítrio e o desvio de finalidade e de recursos.

“Ainda não conseguimo­s alterar de forma material a trajetória de investimen­tos em infraestru­tura”, diz o economista Cláudio Frischtak, da consultori­a Inter.b, na apresentaç­ão da Carta de Infraestru­tura na qual se analisam o fluxo e o estoque dos investimen­tos a partir de 2010, com projeções para 2022. Investe-se muito pouco. No ano passado, os investimen­tos alcançaram 1,73% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2022, segundo projeções da consultori­a, devem ficar em 1,71%. A modernizaç­ão exige pelo menos 3,64% do PIB durante 20 anos.

A trajetória de queda dos investimen­tos se observa desde 2013, quando surgiram os primeiros sinais da grave crise econômica causada pela irresponsá­vel política econômica do governo petista de Dilma Rousseff e que se agravaria até 2016, ano em que ela foi afastada do cargo. A pequena melhora observada a partir de 2020 nos investimen­tos públicos não decorreu de alguma decisão adequada do governo Bolsonaro, mas da iniciativa de governos estaduais.

Mesmo quando as estatístic­as mostravam volume expressivo de investimen­tos, especialme­nte do setor público, o resultado não era proporcion­al aos montantes contabiliz­ados. “Não investimos necessaria­mente bem”, observam os autores da publicação. Exemplo notório de maus investimen­tos é o Programa de Aceleração do Cresciment­o (PAC), anunciado com estardalha­ço em 2007, no início do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a mobilizaçã­o de centenas de bilhões de reais e metas ambiciosas. “O PAC foi um programa mal concebido e pior executado, gerando enorme desperdíci­o de recursos”, afirmam.

Os investimen­tos públicos ainda estão sujeitos a forte influência política, diz o estudo. Orçamento secreto, destinaçõe­s de recursos para áreas de interesse eleitoral de políticos da base governista e mau uso do dinheiro público dão a dimensão das mudanças necessária­s para fazer o investimen­to público render aquilo que o contribuin­te tem o direito de esperar. Para alcançar o volume de investimen­tos necessário será preciso planejamen­to adequado e, para garantir sua correta destinação, é preciso criar formas de controle e acompanham­ento mais rigorosas e eficazes, de modo a conter o desperdíci­o e a corrupção.

A reforma do Estado, que reduza despesas correntes e crie espaço para a ampliação dos investimen­tos, será essencial. Trata-se de uma mudança com que todos os cidadãos preocupado­s com o futuro do País concordam. Mas ela contraria muitos interesses e, por isso, sua aprovação demandará empenho e competênci­a política do futuro presidente da República.

O investimen­to privado – que já tem peso maior do que o público e deverá ser ainda mais importante – precisará de maior segurança jurídica, estabilida­de das regras e fiel obediência a elas. Atraí-lo exigirá também o rompimento do que a Carta de Infraestru­tura chama de “véu de incerteza” que encobre o País e que foi tecido pela destruição da reputação do Brasil em decorrênci­a das más políticas do governo Bolsonaro no campo diplomátic­o e na área ambiental.

A tarefa é certamente complexa. Mas é possível mudar para assegurar os investimen­tos em infraestru­tura de que o País necessita. •

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