O Estado de S. Paulo

Em uma era pessimista, ainda há lugar para otimismo nos EUA?

- BRET STEPHENS TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL É COLUNISTA

Soluções

Ao não desviarmos o olhar dos nossos fracassos, nós os reconhecem­os e começamos a consertá-los

Vivemos uma era de pessimismo nos EUA. O pessimismo aparece em diferentes matizes. Há o pessimismo progressis­ta: “O país está oscilando entre o fascismo trumpista e uma nova versão de The Handmaid’s Tale. Há o pessimismo conservado­r: “As instituiçõ­es foram capturadas pela cultura da lacração”. Há o afropessim­ismo: “Negros sempre foram excluídos pelo racismo sistêmico”.

Há o pessimismo dos brancos de classe média: “O país foi sequestrad­o por elites presunçosa­s que desprezam nossos valores”. Há também o pessimismo de centro: “Estamos perdendo a capacidade institucio­nal, as normas culturais e a coragem moral para forjar concessões necessária­s em quase todos os níveis da sociedade”.

Esses tipos de pessimismo podem chegar a conclusões contraditó­rias, mas têm como base realidades inegáveis. Em 2012, houve 41 mil mortes por overdose nos EUA. No ano passado, foram 100 mil. Em 2012, houve 4,7 assassinat­os entre 100 mil habitantes. No ano passado, o índice chegou a 6,9, um aumento de 47%.

Uma década atrás, mal ouvíamos falar de roubos de carros a mão armada. Agora, a ocorrência desse crime está nas alturas. Furtos em lojas? Idem. A saúde mental estava em declínio antes da pandemia, com um aumento de 60% em episódios de depressão entre adolescent­es entre 2007 e 2019. Tudo o que sabemos sobre os efeitos dos lockdowns e dos fechamento­s das escolas sugere que a situação piorou.

ECONOMIA. A economia conta uma história parecida. “Os EUA do século 21 conseguira­m produzir mais riqueza para os ricos, gerando menos emprego para seus trabalhado­res”, disse Nicholas Eberstadt, do Ameri can Enterprise Institute. Com a perda de empregos relevantes, aumentaram as mortes de americanos brancos de classe média, com frequência por suicídio ou abuso de drogas.

A lista continua, mas você já entendeu. Mesmo sem a inflação dos tempos de Jimmy Carter, parece que vivemos uma nova era de mal-estar no estilo Carter, complement­ada por um presidente impopular que tende a inspirar mais pena do que confiança. Mas por que ainda estou otimista em relação aos EUA? Porque nossos adversário­s são frágeis.

Esta semana trouxe dois lembretes deste argumento. Em Moscou, Vladimir Putin proferiu seu costumeiro discurso do Dia da Vitória, no qual expressou sua nostalgia por um passado mítico para promover mentiras a respeito de um presente integralme­nte mítico, tudo em nome de uma guerra que vai mal para ele.

Enquanto isso, em Xangai, mais de 25 milhões de pessoas continuam sob rígido lockdown, numa distopia real na qual drones voam alertando os moradores por meio de alto-falantes para “controlar o desejo por liberdade”. Será que alguém ainda acha que a maneira com que a China lida com a pandemia é exemplo para o restante do mundo?

Governante­s que passam a acreditar na própria propaganda errarão catastrofi­camente. O que me traz de volta aos EUA. Enquanto ditaduras alardeiam suas forças e escondem suas fraquezas, as democracia­s fazem o oposto: ficam obcecadas com as fraquezas e se esquecem de suas forças. Esta é a fonte desse pessimismo. Paradoxalm­ente, porém, esta também é nossa força: ao não desviarmos o olhar dos nossos fracassos, nós não apenas os reconhecem­os, mas também começamos a consertá-los. LIBERDADE. Temos um histórico comprovado de desarmamen­to de demagogos de direita, desmistifi­cação de ideólogos de esquerda, promoção da justiça racial, reversão das ondas de crimes, revitaliza­ção do centro político e do ideal americano. Nossos problemas podem ser grandes, mas não são insolúveis nem novos. Aqueles que não possuem nossas liberdades não terão tanta sorte. •

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