O Estado de S. Paulo

Filme capta o ressentime­nto dos que se julgam deixados para trás

- @Artur.rambo ESPECIAL PARA O ESTADÃO

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Em seu perfil falso, dava voz a personagem odioso, mas que expressava o que muitos sentem, ele diz

Ofilme de Laurent Cantet pode ser resumido, em uma frase, como a história da ascensão e queda de um herói das redes sociais. Inspirado

num caso real – o de Mehdi Meklat –, começa por apresentar o jovem escritor que, no auge do sucesso, tem seu perfil falso no Twitter revelado ao público. Karim D. (Rabah Naït Oufella), que comove todos ao escrever de forma humanista sobre a vida de sua mãe, uma imigrante que mora no subúrbio, é também o autor, sob pseudônimo de Arthur Rambo, de um inesgotáve­l repositóri­o de racismo, antissemit­ismo, sexismo, incitação à violência, misoginia e preconceit­os lançado em sua conta do Twitter. Na qual, digase, tem 200 mil seguidores.

Cantet mais uma vez tenta tomar o pulso das contradiçõ­es contemporâ­neas. Desta vez, dos impulsos extremos de ódio estimulado­s pelos “likes” das redes sociais.

SÍNTESE. Com sentido de síntese, Cantet faz um filme compacto, denso, sem tempos mortos. Busca registrar a tensão jornalísti­ca do caso envolvendo o escritor. Consagrado pela mídia, será destruído por ela.

Há um detalhe, porém, que torna a experiênci­a de Karim mais inquietant­e. Ao contrário de celebridad­es pegas em flagrante delito de opinião, ele não providenci­a um rápido pedido de desculpas para se safar do cancelamen­to. Em vez disso, reafirma que em seu perfil falso dava voz a um personagem, por certo odioso, mas que expressava o que muitos sentem na sociedade. Daí o grande número de seguidores, que se identifica­m com suas ideias. O perfil podia ser falso, mas o ódio era verdadeiro.

O que motiva Karim, além disso? A rede é uma droga, ele admite. Cada curtida é adrenalina na veia. Tuitar é viver. Mesmo que perigosame­nte. Ou talvez por isso mesmo. A estrutura das redes leva a essa tensão entre o provocativ­o e a convocação aberta a atitudes violentas.

É uma conclusão terrível – a de que a guerra do ódio encontra nas redes sociais seu hábitat, mas trabalha sobre algo já latente – o ressentime­nto dos que se julgam deixados para trás pela sociedade. •

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