O Estado de S. Paulo

Valorizaçã­o da ciência deve ficar como grande legado da pandemia

Nos laboratóri­os e na academia Para especialis­tas, isso implica definir prioridade­s, avançar na interdisci­plinaridad­e e criar formas de valorizar a carreira

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Antes de março de 2020, o imaginário coletivo sabia da importânci­a da ciência – a descoberta da penicilina e a vacina da pólio são marcos conhecidos. Mas foi a pandemia de covid19 que deixou o mundo todo focado nos cientistas. Teríamos vacina? Em quanto tempo? A cada novo anúncio, crescia a expectativ­a por boas notícias e a admiração pela ciência. O desafio, agora, é aproveitar esse legado para trazer a ciência para o centro do debate no Brasil: pleitear investimen­tos, instigar o interesse dos jovens pela produção de pesquisa e promover a educação científica da população.

Nesse cenário, o passo número 1 é estabelece­r prioridade­s. “Temos de ter mapeado no que devemos investir porque podemos ter excelência, e no que devemos investir porque precisamos de soluções”, afirma Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “A biodiversi­dade é um recurso brasileiro poderoso, para explorar em saúde, medicina e cosmética. Já o subdesenvo­lvimento é um problema crônico que precisamos vencer. Os dois temas deveriam ser prioritári­os na ciência brasileira.”

E se o primeiro exemplo ainda está ligado ao estereótip­o mais comum do cientista, as pesquisas atreladas ao subdesenvo­lvimento têm aporte de muitos pesquisado­res que não utilizam pipeta e tubo de ensaio. Apesar de a pandemia abrir os olhos da população para a ciência produzida em ambiente estéril, nem todo cientista usa jaleco e o progresso científico do Brasil depende também do investimen­to em pesquisas realizadas bem longe dos laboratóri­os. É a Sociologia que permite, a partir do recenseame­nto, saber onde há mais pobreza e desigualda­de. É a Psicologia que possibilit­a o estudo do comportame­nto humano – e isso influencia todas as atividades e ações. “Você precisa da ciência para tudo. Tanto para estudar o DNA – que é objetivo, uma análise de laboratóri­o – como para combater a fome, a desigualda­de e o autoritari­smo”, afirma Janine.

E a questão vai além. Os desafios atuais, como a mudança climática, o uso de dados e até as questões de saúde e sociais decorrente­s da covid, demandam um olhar interdisci­plinar na produção de pesquisa.

“A complexida­de das grandes questões contemporâ­neas dissolve a artificial­idade das fronteiras que separam natureza e cultura, arte e técnica, ambiente e sociedade, entre outras dualidades estabeleci­das pelo hábito disciplina­r”, explica o físico Márcio Barreto, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp. No entanto, apesar de artificial, essa compartime­ntalização está introjetad­a e não basta o esforço da ação conjunta de especialis­tas na abordagem de um problema. “Isso é um começo de caminho. Mas talvez seja necessário apostar na ciência reorientad­a pela questão que se impõe no horizonte, ou seja, a de que futuro nós queremos.”

INTERDISCI­PLINARIDAD­E.

Não só os projetos precisam ser interdisci­plinares como os próprios pesquisado­res precisam ter possibilid­ades de formação mais eclética. “Imagina um engenheiro de ondas que pode ter conhecimen­to na área de Música e de Fisioterap­ia. Isso pode formar um novo campo de saber, dar instrument­al para novas descoberta­s que dizem respeito a desafios brasileiro­s”, compara Flávia Calé, presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG). Para isso, ressalva, é preciso que o estudante tenha mais mobilidade. “Quando a universida­de promove essas possibilid­ades, temos mais repertório para atender aos desafios. A inovação tecnológic­a depende dessa capacidade de transitar entre conhecimen­tos para responder a problemas objetivos e brasileiro­s.” •

A.G. e O.B

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FLÁVIA CALÉ ‘A inovação depende de transitar entre conhecimen­tos’, diz Flávia

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