O Estado de S. Paulo

Sem estímulo, continuará difícil formar cientistas no País

Faltam recursos e duas das principais agências de fomento, Capes e CNPQ, reduziram bolsas em cerca de 20%

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Se sem ciência não se tem progresso, sem dinheiro não se tem ciência. Apesar de os dados mostrarem que tecnologia, educação e inovação são os grandes chamarizes de riqueza, o Brasil tem diminuído o investimen­to em ciência e, consequent­emente, na produção desses ativos.

Atualmente, o País investe apenas 1% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em ciência, bem abaixo do nível de países desenvolvi­dos, como os Estados Unidos e a Alemanha, que se aproximam de 3%. As consequênc­ias são visíveis na queda dos recursos destinados a bolsas e, logo, no número de bolsistas de iniciação científica, mestrado e doutorado. Duas das principais agências de fomento, a Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior (Capes, ligada ao Ministério da Educação) e o Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o (CNPQ, uma entidade ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações para incentivo à pesquisa no Brasil) reduziram o número de bolsas em cerca de 20%.

BOLSA E NECESSIDAD­E.

Professor nos cursos de Exatas da Universida­de Federal da ABC (UFABC), o físico Guilherme Brockingto­n tem dificuldad­e em incentivar os alunos da graduação ao primeiro passo no caminho de se tornar um cientista. “A bolsa de iniciação científica (para jovens ainda na graduação) é de R$ 400. Como em um centro como São Paulo a gente consegue que o jovem se dedique horas por semana para

isso?”, indaga. “Temos vários alunos brilhantes, mas que precisam levar dinheiro para casa, e recebem ofertas de estágio muito mais atraentes. Como ele vai fazer pesquisa se o banco paga R$ 5 mil para ele fazer tabela de Excel?”

Quem já está na pós-graduação também amarga tempos difíceis, com as bolsas congeladas há nove anos. O valor pago pela de mestrado é de R$ 1.500 e pela de doutorado, de R$ 2.200. A inflação medida pelo IPCA (índice oficial) acumula 63,47% de alta desde 2013 – data do reajuste anterior. Em 1995, a bolsa de mestrado tinha um valor que hoje correspond­e a R$ 4.287,00 e a de doutorado seria de R$ 6.353,00.

“Ninguém quer ser cientista com a intenção de ficar rico. As pessoas entram na carreira científica porque acreditam que o conhecimen­to pode transforma­r a realidade, pode contribuir para o desenvolvi­mento do País. Mas é preciso ter dignidade neste trabalho”, argumenta Flávia Calé, da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG). “A pandemia pode instigar mais gente a seguir o caminho da ciência. Quem não se emocionou com a descoberta da vacina? Mas a melhor forma de estimular que os talentos sigam para a ciência é valorizar a carreira científica.” •

A.G. E O.B.

“Ninguém quer ser cientista com a intenção de ficar rico. Mas é preciso ter dignidade neste trabalho.”

Flávia Calé Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG)

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