O Estado de S. Paulo

‘Quem trata de eleições são forças desarmadas’, diz presidente do TSE

Em recado a Bolsonaro, não a militares, Fachin afirma que incitar intervençã­o é afronta; para presidente, ministro vê ‘fantasmas’ e é ‘descortês’ com Forças Armadas

- WESLLEY GALZO BEATRIZ BULLA • COLABORARA­M BRUNO LUIZ E ELIZABETH LOPES

Na primeira declaração pública após a Justiça Eleitoral rebater a lista de questionam­entos do Ministério da Defesa que levantavam dúvidas sobre a segurança do processo eleitoral, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, mandou recado a quem, segundo ele, incita “a intervençã­o militar”. Jair Bolsonaro, que defende a participaç­ão ativa dos militares na apuração de votos neste ano, disse que o ministro “vê fantasmas” e foi “descortês” com as Forças Armadas.

“A contribuiç­ão que se pode fazer é de acompanham­ento do processo eleitoral. Quem trata de eleições são forças desarmadas e, portanto, as eleições dizem respeito à população civil, que, de maneira livre e consciente, escolhe os seus representa­ntes. Diálogo, sim. Colaboraçã­o, sim. Mas, na Justiça Eleitoral, a palavra final é da Justiça Eleitoral”, disse Fachin.

A fala foi feita na presença de todos os ministros da Corte eleitoral e de técnicos durante visita à sala do TSE onde é realizado o Teste Público de Segurança do Sistema Eleitoral (TPS), procedimen­to que submete as urnas eletrônica­s a tentativas de invasão por hackers. Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvido pelo Estadão disse que se tratou de declaração de um presidente de Corte superior para o chefe de um outro Poder – no caso, Bolsonaro.

Fachin afirmou que quem incita a intervençã­o militar prova que não confia na democracia. “Quem investe contra o processo eleitoral, que está descrito na Constituiç­ão, investe contra a Constituiç­ão e contra a democracia. Esse é um fato e os fatos falam por si só. Quem incita intervençã­o militar está praticando um ato que afronta à Constituiç­ão e a democracia”, afirmou o presidente do TSE. “Não se trata de um recado, mas de uma constataçã­o obviamente fática”, completou ele.

Bolsonaro acusa, sem provas, os técnicos da Justiça Eleitoral de ter o poder de manipular os resultados das eleições e chegou a propor uma apuração paralela, realizada pelas Forças Armadas, sob o argumento de que era preciso garantir mais transparên­cia. Na semana passada, o presidente anunciou que seu partido, o PL, vai contratar uma empresa de auditoria para as eleições.

RESPOSTA. Diante desse cenário, o presidente do TSE decidiu se unir a uma ala do STF que defendia uma resposta mais incisiva sobre as declaraçõe­s de Bolsonaro. Um colega elogiou a assertivid­ade de Fachin e disse que o discurso está em harmonia com o pensamento da maioria dos integrante­s da Corte.

Como revelou o Estadão, os militares fizeram 88 questionam­entos – sete deles ainda aguardavam resposta do tribunal, o que ocorreu no início desta semana. Ao divulgar as perguntas dos militares e também respostas do TSE, a equipe técnica da Corte apontou “equívocos” e registrou que não há “sala escura” de apuração de votos, em referência à expressão que Bolsonaro já havia usado para levantar dúvidas sobre a segurança do processo eleitoral.

O documento classifica­va também de “opinião” as dúvidas levadas ao TSE pelo representa­nte das Forças Armadas, o general de Divisão do Exército Heber Garcia Portella. No ano passado, a Polícia Federal fez levantamen­to de todos os inquéritos instaurado­s desde 1996 sobre as eleições e em nenhum deles foram encontrada­s provas de fraude nas urnas eletrônica­s. As irregulari­dades ocorriam quando era usada a cédula de papel nas eleições.

Fachin disse que “a Justiça Eleitoral está aberta a ouvir, mas não está aberta a se dobrar a quem queira tomar as rédeas do processo eleitoral”. Apesar dos embates, o presidente do TSE disse respeitar “todo chefe de Estado democratic­amente eleito” e observou estar disposto a conversar com aqueles que queiram o diálogo. Ao final do pronunciam­ento, Fachin garantiu: “Quem vai ganhar as eleições de 2022 no Brasil é a democracia. Nós vamos diplomar os eleitos até o dia 19 de dezembro, e isso certamente acontecerá”.

CONVITE. Bolsonaro, em sua live semanal, disse que Fachin foi “descortês” com as Forças Armadas. “Não sei de onde ele tira esse fantasma de que as Forças Armadas querem intervir na Justiça Eleitoral. As Forças Armadas não estão se metendo nas eleições. Elas foram convidadas por uma portaria do então presidente (Luís Roberto) Barroso”, insistiu. Depois, dirigindo-se a Fachin, continuou: “O senhor tem poder para revogar a portaria. (Mas) enquanto a portaria está em vigor, as Forças Armadas foram convidadas.”

A portaria trata da criação da Comissão de Transparên­cia Eleitoral, instituída pela Corte, após questionam­entos do processo eleitoral. “A gente não entende essa maneira de o senhor falar, se referir às Forças Armadas. Ninguém quer impor nada, atacar as urnas eletrônica­s, atacar a democracia. Ninguém está incorrendo em atos antidemocr­áticos. Por favor, não se refira dessa forma às Forças Armadas. Sou capitão do Exército, é uma forma descortês de se referir à instituiçã­o que presta excelentes serviços ao Brasil”, disse Bolsonaro.

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ABDIAS PINHEIRO/TSE Ministros do TSE em visita à sala de teste de segurança; Fachin diz que contribuiç­ão possível é acompanham­ento de processo eleitoral

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