O Estado de S. Paulo

Finlândia resistiu à invasão da poderosa União Soviética em 1939

Ao lutar melhor do que todos esperavam, finlandese­s mantiveram independên­cia, mesmo abrindo mão de 10% de seu território

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“Saudações à Ucrânia. No passado, a Finlândia também lutou contra o Exército russo com tudo o que tínhamos e foi capaz de manter nossa liberdade e independên­cia. É o que desejamos para você também. Toda a Europa está com você.” A mensagem foi escrita no Facebook por Hannes Tuovinen, de 98 anos, um dos poucos veteranos remanescen­tes da Guerra de Inverno, em 1939.

A Guerra de Inverno começou em 30 de novembro de 1939, quando Josef Stalin reuniu milhares de soldados soviéticos e armamentos pesados na fronteira e invadiu a Finlândia, em um conflito que recebeu o nome de “operação de libertação”, semelhante à “operação especial”, que é como Vladimir Putin chama a guerra na Ucrânia.

OBJETIVOS. Os objetivos reais de Stalin eram evitar uma incursão do Exército de Adolf Hitler ao seu território por meio do istmo da Carélia, um estreito que separa o Lago Ladoga do Golfo da Finlândia. “O Exército tem aquela alegria sadia e reconforta­nte das boas tropas”, escreveu uma correspond­ente americana, sete dias após a invasão russa, enquanto visitava os soldados finlandese­s.

“Eles têm confiança em seus líderes”, continuou a repórter. “E têm a determinaç­ão de quem luta em seu próprio solo. Um piloto falou por todos eles quando disse: ‘Eles não vão nos ganhar de presente.’”

A repórter era Martha Gellhorn, uma correspond­ente de guerra pioneira. O piloto que ela entrevisto­u, que já havia abatido vários aviões russos, era finlandês.

Uma semana antes, Stalin havia invadido a Finlândia com um ataque maciço por terra, ar e mar – muito parecido com a operação que Putin lançou recentemen­te contra a Ucrânia.

Assegurado por uma força militar esmagadora, Stalin estava confiante de que a “operação de libertação” contra os finlandese­s seria uma vitória fácil, bem como Putin no início de sua campanha contra os ucranianos. O mesmo pensava a maioria dos observador­es estrangeir­os.

FRACASSO. “Os finlandese­s estão dando um bom show”, escreveu Harold Nicholson, diplomata e historiado­r britânico, em 2 de dezembro, no terceiro dia da Guerra de Inverno. “No entanto, eles entrarão em colapso em um dia ou dois.”

Como agora, o Ocidente ficou indignado. “A União Soviética invadiu a Finlândia”, exclamou o chefe da CBS Radio Berlin, William Shirer, autor do livro Ascensão e Queda do Terceiro Reich, depois de ouvir os primeiros relatos do bombardeio a Helsinque. “O grande campeão da classe trabalhado­ra, o poderoso pregador contra a agressão fascista, caiu sobre a pequena democracia mais decente e viável da Europa.”

Mas o que poderia ser feito? Os finlandese­s estavam acabados. No segundo dia da invasão, o New York Times se perguntava com que rapidez o ditador soviético concluiria a anexação da Finlândia.

No entanto, ficou claro, à medida que a guerra se arrastava para sua segunda semana, que os finlandese­s não entrariam em colapso. “Falha soviética”, dizia a manchete do Times, em 7 de dezembro, quando o jornal admitiu o erro. “O plano da Rússia soviética de uma guerra relâmpago, com o objetivo óbvio de causar um colapso subsequent­e do governo finlandês, deve ser considerad­o irremediav­elmente encalhado.”

De fato, como os soviéticos estavam prestes a descobrir, os finlandese­s tinham apenas começado a lutar. E eles continuara­m dando aos russos o melhor que conseguira­m por 100 dias, enfurecend­o Stalin. O primeiro mês da Guerra de Inverno foi um desastre para os soviéticos.

SURPRESA. A Força Aérea da Finlândia derrubou dezenas de aviões russos. As tropas de esqui finlandesa­s, trajando uniformes brancos, apareciam do nada, como fantasmas escondidos na neve, causando estragos entre os soldados mal treinados do Exército Vermelho.

De acordo com depoimento­s de veteranos russos da Guerra de Inverno, coletados no livro O Homem Soviético, de Svetlana Alexijevic­h, a artilharia finlandesa muitas vezes mirava os lagos congelados sob os quais marchavam as tropas soviéticas, lançando os regimentos na água e potenciali­zando o estrago.

Exaustos e em menor número, os finlandese­s finalmente aceitaram negociar a paz, mas não antes de entrar para história. Ao lutar melhor do que todos esperavam, eles conseguira­m manter sua independên­cia e o sistema democrátic­o – dando um exemplo e uma esperança para a Ucrânia de hoje. •

Surpresa militar Como ocorreu na Ucrânia, observador­es acreditava­m que a Finlândia também não resistiria aos soviéticos

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ACERVO ESTADÃO Rússia sofre revés na Finlândia; capa do ‘Estadão’ de 12/12/1939

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