O Estado de S. Paulo

Cracolândi­a, desafio eterno?

Megaoperaç­ão para reprimir o tráfico é bem-vinda, mas o poder público precisa articular ações muito mais amplas

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Otempo passa, planos vêm e vão, prefeitos e governador­es se sucedem, mas, se há algo que não muda na cidade de São Paulo, são as cenas da miséria física e emocional de usuários de crack em ruas da região central. Após décadas nos arredores da Praça Júlio Prestes, a Cracolândi­a migrou, em março, para a Praça Princesa Isabel, onde passou a ser chamada de Nova Cracolândi­a. De novidade, nisso, somente o nome, a troca de endereço e a informação de que a transferên­cia teria sido determinad­a pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).

No mais, a maior metrópole da América Latina segue convivendo com a degradação da dignidade de milhares de dependente­s químicos expostos à violência e à exploração criminosa de traficante­s de drogas, em plena rua, à vista de todos. Aqui neste mesmo espaço, em agosto de 2021, tratamos do assunto, lembrando que uma rápida consulta ao acervo do Estadão revelaria uma série de editoriais sobre a tragédia da Cracolândi­a, publicados ao longo dos anos.

Voltamos agora ao tema para saudar o planejamen­to da megaoperaç­ão policial desencadea­da na madrugada de quarta-feira pelas Polícias Civil e Militar, com a presença da Guarda Civil Metropolit­ana e de funcionári­os da Prefeitura. Cerca de 650 agentes, apoiados por helicópter­os, cercaram a Nova Cracolândi­a, a fim de cumprir mandados de prisão e retirar barracas onde as drogas são vendidas. Pelo menos 20 pessoas foram presas, parte delas por desacato, segundo balanço preliminar. Diferentem­ente de outras ações repressiva­s, quando policiais chegavam por uma rua e traficante­s fugiam por outra, a polícia dessa vez mobilizou estrutura compatível com o desafio, o que é elogiável.

Ninguém se iluda, no entanto, quanto ao alcance da megaoperaç­ão, no sentido de debelar e esvaziar a Nova Cracolândi­a. O que a realidade tem mostrado, no Brasil e no mundo, é que o combate às drogas, na Cracolândi­a ou em qualquer outro endereço da cidade, esbarra sempre em uma complexida­de de causas. Infelizmen­te, não há solução mágica − nem única.

Seja lá o que se vá fazer, é preciso ter clareza quanto à imperiosa necessidad­e de envolver múltiplos atores e abordagens. Afinal, o que caracteriz­a problemas multifacet­ados é justamente o fato de que há várias questões a resolver em um mesmo lugar ou situação. O que requer, no caso da Nova Cracolândi­a, uma combinação de ações repressiva­s, assistenci­ais e de saúde pública, entre outras. Algo que ninguém, nem nenhum órgão público, consegue fazer sozinho.

Não se ignoram aqui iniciativa­s tomadas por diferentes administra­ções, em épocas diversas, com a participaç­ão não apenas do setor público, mas de organizaçõ­es não governamen­tais, mesclando abordagens variadas. Sim, é preciso reconhecer que muito já foi feito. A megaoperaç­ão de quarta-feira, que é parte da Operação Caronte, para combater o tráfico de drogas, integra esse esforço.

Isso não nos impede de afirmar, com todas as letras, que tudo o que já foi feito até o momento é pouco. A mera existência da Nova Cracolândi­a, com os mesmos problemas da antiga, é prova disso. Uma realidade inaceitáve­l.

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