O Estado de S. Paulo

Centro Cultural São Paulo faz 40 anos e quer atrair periferia

Artes Espaço Com público estável desde o início dos anos 2000, instituiçã­o quer se reintegrar à cidade como ‘espaço de liberdade’, diz diretor

- JOÃO LUIZ SAMPAIO

Isaac tem 22 anos, é tatuador. Caminha sozinho por uma das exposições do espaço, o que faz com frequência. “Existe o deus Google, mas aqui é possível descobrir o que nunca se imaginou procurar.” Gabriela, de 23, confessa: aluna de enfermagem, nunca assistiu a uma das programaçõ­es de cinema ou teatro, mas encontrou ali espaço ideal para arejar a mente e estudar.

Alunas de cinema, Leticia, Sofia e Karla, com 17 anos, nunca haviam entrado no prédio, que agora observam por meio das lentes de uma câmera para um trabalho da faculdade. O mesmo fazem Sadraque, Breno, Leonardo, de 19, também ali pela primeira vez. Não é o caso de Liana e Carlos, de 18 e 21 anos. O casal marca ponto quase diário no prédio. E mais não contam: estão, dizem, ocupados.

Em uma manhã de quarta-feira, o público presente no Centro Cultural São Paulo, que completa hoje 40 anos, é quase um microcosmo daquele que se tornou marca da instituiçã­o. Para alguns, espaço de passagem, para outros, lugar de estudo ou de simples convivênci­a; ou então de reflexão e acesso à programaçã­o artística.

“Eu costumo dizer que o Centro Cultural não é um só ambiente, é um redemoinho energético”, diz o diretor interino Rodolfo Beltrão. “Tem um grupo de forró e, ao lado os b-boys. E isso tem a ver com o modo como imaginamos o centro, como um lugar de liberdade.”

Inaugurado em 1982, o CCSP foi desenhado por Eurico Prado Lopes e Luiz Benedito. Abriga cinco salas de espetáculo­s, espaços para exposições, áreas de convivênci­a, biblioteca­s. Ao todo, são 300 mil metros quadrados, com uma construção que se espalha de forma horizontal. “Isso talvez reafirme o caráter democrátic­o do espaço”, diz Beltrão. Sadraque concorda. “A primeira coisa que vem à mente é que ele é um ponto de encontro”, diz. Isaac reafirma. “O que o espaço possibilit­a é a comunicaçã­o, que não é apenas conversa. A arte é uma forma de diálogo. Todos somos arte e por meio dela entendemos a nós próprios e aos outros. Basta observar o outro.”

Rodolfo Beltrão chegou ao CCSP em 2019, convidado pela então diretora Erika Palomino para atuar como supervisor de curadoria. Com a chegada de Leandro Lehart, em 2020, permaneceu como supervisor-geral. E, após seu pedido de demissão, assumiu o posto de diretor interino.

Não foi transição sem turbulênci­as. Ao sair, Lehart acusou a secretária municipal de Cultura, Aline Torres, de falta de interlocuç­ão e de abrir espaço para o que considerav­a deturpação do espaço. Outros membros da equipe, porém, como o jornalista Kil Abreu, curador de teatro, questionou Lehart e o que entendia como uma gestão pouca aberta ao diálogo.

Interesse Em 2019, projetos como o do Instituto Moreira Salles tiveram média de público similar à do CCSP

Para Beltrão, o trauma “está superado”. Mas restam desafios pela frente. Um deles é a relação com o público. Em 2019, cerca de 1,2 milhão de pessoas passaram pelo CCSP, média que se mantém estável desde o início dos anos 2000. Para efeito de comparação, no mesmo período, instituiçõ­es de atuação mais dirigida, como o Instituto Moreira Salles e o Museu de Arte de São Paulo, receberam, respectiva­mente, 1,05 milhão e 739 mil pessoas.

A pandemia, naturalmen­te, tornou impossível qualquer afirmação sobre os últimos anos. E o desafio, agora, conta Beltrão, é reintegrar o centro à cidade e o público ao centro. Mas, para além de números, há um foco específico.

“A diretriz é trazer a periferia para o centro. Essa é a proposta da secretária Aline Torres e na qual estamos trabalhand­o. E isso se faz atraindo e celebrando corpos dissidente­s, buscando ser acessível em todas as esferas, na programaçã­o ou mesmo na equipe que trabalha aqui, para que todos se sintam donos do espaço.”

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FOTOS TABA BENEDICTO / ESTADÃO 1 1. Rampas que dão acesso às biblioteca­s localizada­s no piso inferior PÚBLICO.
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2. Jardim elevado com vista para a Avenida 23 de Maio
2 2. Jardim elevado com vista para a Avenida 23 de Maio

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