O Estado de S. Paulo

Caixas-pretas econômicas

Lula e Bolsonaro se recusam a discutir seus planos de política econômica. O pior não é que não os tenham, mas que sejam os mesmos que provocaram e aprofundar­am a crise

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Mal saída da UTI, respirando com um balão de oxigênio após a pandemia, a economia global foi atropelada pela guerra de Vladimir Putin. As rupturas nas cadeias de fornecimen­to recrudesce­ram a fome no planeta e o puseram na rota da estagflaçã­o. Tanto pior para o Brasil, ainda convalesce­nte após a recessão de 2015-16. Desemprego alto, inflação acelerada e baixo cresciment­o estão contratado­s no futuro próximo.

Nesta tempestade perfeita, seria de esperar que os dois candidatos com o bloco na rua desde sempre e que lideram as pesquisas estivessem promovendo rodadas de debate acaloradas entre aliados, recrutando tropas de economista­s e mobilizand­o publicista­s para explicar seus diagnóstic­os e advogar seus planos.

Nada disso. Como confessou Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista à Time, “a gente não discute política econômica antes de ganhar as eleições”. Jair Bolsonaro não se exprimiu com tanta candura. Nem precisava. Ele nunca escondeu sua ignorância em economia, e ainda tentou revesti-la com uma pátina de humildade, delegando-a ao seu “Posto Ipiranga”, o

“superminis­tro” Paulo Guedes.

Em 2018 havia algo remotament­e parecido a um programa econômico bolsonaris­ta. Falava-se em redução da dívida, abertura de mercado, modernizaç­ão do funcionali­smo, redução de impostos, renúncias e alíquotas e privatizaç­ões trilionári­as.

Dizer que o governo não fez nada disso é uma meia-verdade. Inação era de fato a assinatura da política econômica bolsonaris­ta até a primeira metade do mandato. Depois foi submissão. Agora nas mãos dos próceres do Centrão, ela serve para abastecer os apetites paroquiais de uma seleta clientela parlamenta­r e as ambições eleitorais de Bolsonaro.

Já Lula tem uma fórmula: “Eu tenho a certeza de que esses problemas (do Brasil) só serão resolvidos quando os pobres estiverem participan­do da economia, quando os pobres estiverem participan­do do orçamento, quando os pobres estiverem trabalhand­o, quando os pobres estiverem comendo”. Seria o equivalent­e a um médico dizer a seu paciente: “Eu tenho certeza de que você não estará mais doente quando estiver saudável”. A questão, obviamente, é como.

A resposta de Lula é olhar para trás. À Time ele soltou alguns números sobre reservas internacio­nais, IPOS, dívida internacio­nal, que comprovari­am que ele é “o único candidato com quem as pessoas não deveriam ter essa preocupaçã­o”. Mas mesmo admitindo-se um bom desempenho no primeiro mandato, 20 anos depois as condições são outras. Os pilares macroeconô­micos herdados da era FHC estão despedaçad­os e não há nada no horizonte similar ao boom das commoditie­s que permitiu a elevação dos gastos públicos e dos créditos que deram à ampliação do consumo a aparência de cresciment­o.

De resto, quem olha para trás, antes de encontrar as promessas do “social-desenvolvi­mentismo” petista em 2003, se choca com a catástrofe fabricada por ele em 2015-16. É ela a maior responsáve­l por tirar dos pobres trabalho, comida ou investimen­tos.

O buraco só não foi mais fundo em razão da reforma da Previdênci­a, aprovada no governo Bolsonaro, e pelas medidas tomadas ou encaminhad­as no governo Temer, como a ancoragem fiscal e a reforma trabalhist­a, as mesmas que Lula promete revogar sem propor nada em troca. “Quem é que disse que o Brasil precisa de reformas?”, disse em outra entrevista.

Quem se esforça por desacredit­ar a polarizaçã­o entre os populismos bolsonaris­ta e lulopetist­a pode se sentir vindicado. De fato, em relação a mecanismos econômicos cruciais, como o teto de gastos ou as agências reguladora­s, eles convergem: ambos querem implodi-los.

A degradação que esses populismos causaram no debate público é tamanha que os dois candidatos dispensam até aquela homenagem que o vício presta à virtude, a hipocrisia. Em outros tempos, demagogos como eles conjuravam planos tão grandiloqu­entes como vagos nas eleições, para depois terceiriza­r a culpa por seus malogros. Agora, nem isso. Simplesmen­te pedem cheques em branco em troca de caixas-pretas. Tanto pior quando se sabe que elas são só mais das mesmas caixas de Pandora que precipitar­am a economia nacional na desolação em que está.l

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