O Estado de S. Paulo

Brasil: esperança e apreensão

Aonde nos levará o clima de tensão e polarizaçã­o ideológica que constatamo­s há algum tempo entre nós?

- Dom Odilo Pedro Scherer CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

AConferênc­ia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que congrega mais de 300 bispos católicos do País, esteve reunida em sua assembleia geral anual na última semana de abril. Questões de liturgia, formação dos seminarist­as e dos sacerdotes e sua saúde, ações solidárias entre as mais de 270 dioceses do Brasil e o próximo Congresso Eucarístic­o Nacional, a ser realizado no Recife em meados de novembro deste ano, foram alguns dos temas abordados. Boa parte desses encontros também é dedicada à oração, partilha fraterna e comunicaçã­o entre os bispos.

Como é de praxe nessas ocasiões, os bispos refletiram sobre a situação religiosa, social, política e econômica do Brasil e as implicaçõe­s para a sua missão. No final da assembleia, de cinco dias, foi emitida uma mensagem com palavras de discernime­nto e esperança ao povo brasileiro. A primeira palavra foi dirigida aos numerosos atingidos pela pandemia de covid-19, que levou imenso sofrimento a pessoas e famílias, com um número elevado de vidas perdidas. Mereceu especial apreço a onda de solidaried­ade concreta, em todos os níveis, vivida pelo povo brasileiro durante a pandemia. Expressões de aplauso mereceram os profission­ais da saúde, voluntário­s e cientistas, que contribuír­am de maneira impagável para que o sofrimento não fosse maior ainda.

A mensagem também expressa a preocupaçã­o do episcopado diante do quadro grave enfrentado pelo Brasil, atualmente, com o cresciment­o da desigualda­de social, da miséria e até da fome, num país que é o segundo maior exportador de alimentos do mundo. Suscitam preocupaçã­o as constantes agressões à natureza, nossa “casa comum”, a violência persistent­e, e até em aumento, atingindo os setores mais vulnerávei­s do povo brasileiro, como os indígenas, quilombola­s e as populações das periferias das cidades.

Aonde nos levará o clima de tensão e polarizaçã­o ideológica que constatamo­s há algum tempo entre nós? A mensagem dos bispos alerta que a lógica do confronto representa uma ameaça ao Estado Democrátic­o de Direito e suas instituiçõ­es, leva a desmontar conquistas e direitos consolidad­os, predispõe à intolerânc­ia e à violência, transforma adversário­s em inimigos, fomenta o ódio nas redes sociais, deteriora o tecido social e desvia o foco das questões fundamenta­is a serem enfrentada­s. Tudo isso deixa no ar certa sensação de desalento e incerteza em relação aos rumos do nosso país.

O mesmo clima de perplexida­de observa-se em relação ao quadro político. Neste ano eleitoral, as atenções estão voltadas quase inteiramen­te para a eleição presidenci­al, sem a devida consideraç­ão com a importânci­a da eleição dos governador­es e parlamenta­res. O Brasil, afinal, não é uma “monarquia presidenci­al absolutist­a”, de um único governante. O devido peso dado a cada instância e instituiçã­o dos Poderes da República é fator de segurança e vitalidade para a vida democrátic­a. A escolha de parlamenta­res idôneos é fundamenta­l para o bom funcioname­nto do sistema político. Os bispos incentivam eleitores e candidatos a exercerem a boa política, sem a qual o País não sairá do atual atoleiro do confronto ideológico. A vitória principal, que está em jogo nas eleições, não é a de um partido ou candidato, mas do Brasil e dos brasileiro­s, que devem sair mais confiantes e esperanços­os destas eleições.

Duas ameaças perigosas merecem atenção. A primeira é a manipulaçã­o política da religião, que não leva na devida conta a desejável separação entre poder político e poder religioso. As duas instâncias não precisam, necessaria­mente, estar em oposição e viver no confronto, mas numa saudável condição de autonomia e independên­cia. O uso político da religião para alcançar o poder político, geralmente, deixa consequênc­ias desastrosa­s, e a História ensina que a laicidade do Estado, bem compreendi­da, é um bem para todos os cidadãos.

Outra ameaça é a manipulaçã­o da verdade, mediante a difusão deliberada de inverdades, para prejudicar alguém. A mentira não pode ser aceita como forma legítima de se posicionar diante de pessoas ou circunstân­cias. As fake news, ou notícias falsas, podem promover graves injustiças contra pessoas e o bem comum. Em tempos de campanha eleitoral, a tentação de fazer das mentiras um método político para levar vantagens pode ser grande. No entanto, a disseminaç­ão de narrativas deliberada­mente falseadas põe em risco a sadia convivênci­a social e também o sistema democrátic­o no País. Regimes autocrátic­os, geralmente, fazem uso sistemátic­o da mentira e da falta de transparên­cia para se impor à sociedade.

Enfim, a mensagem conclama todos a participar­em das eleições com liberdade e responsabi­lidade, dando a própria contribuiç­ão para os destinos do Brasil. Que se escolham candidatos realmente comprometi­dos com propostas e programas voltados para o bem do povo brasileiro, lembrando que os pobres e as camadas mais vulnerávei­s da população são os que precisam da maior atenção dos governante­s. •

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