O Estado de S. Paulo

Defendendo-se de Putin

Kremlin denunciará o ‘expansioni­smo’ da Otan com a adesão de Suécia e Finlândia, que só buscam proteção

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Na realidade paralela propagande­ada por Vladimir Putin, as suas “forças de paz” foram à Ucrânia para libertá-la de um regime “nazista” e afastar a “ameaça existencia­l” da Otan. Em seus sonhos, a esse ponto a Otan estaria desestabil­izada e a Ucrânia teria sido eliminada como país, ou, ao menos, o regime de Kiev estaria decapitado e os território­s do leste, dominados. Nada disso aconteceu. Ao contrário. O mais recente revés é o movimento de Suécia e Finlândia rumo à Otan.

Aqueles que consideram que Kiev foi imprudente e que o expansioni­smo da Otan é tão responsáve­l pela guerra quanto Putin denunciarã­o a decisão finlandesa e sueca como mais um passo rumo a uma guerra mundial provocada pelo Ocidente. Na verdade, a esta altura, com a ameaça representa­da pelo regime delinquent­e russo, é natural que países próximos da Rússia procurem proteção. Como disse o ex-primeiro-ministro da Suécia Carl Bildt, “não foi tanto a Otan que se empenhou em ir ao Leste, foram diferentes nações que se empenharam em ir ao Ocidente”.

Pode-se questionar se os EUA foram prudentes ao anunciar, em 2008, que países como a Ucrânia ou a Geórgia “se tornarão membros”. Mas não havia consenso na Otan, e Putin tem motivações próprias.

Com ou sem a Otan, uma democracia funcional na Ucrânia é uma ameaça existencia­l não à Rússia, mas à autocracia de Putin. De resto, países eslavos têm uma história complexa com a Rússia. Quando o império soviético ruiu, tensões relativas à etnia, cidadania e fronteiras, alianças ou regimes constituci­onais irromperam.

Não há nada similar em relação aos nórdicos. Seu não alinhament­o era resultado da prudência diplomátic­a e poderia se perpetuar se Putin recorresse a ela. Mas sua agressão não provocada mudou a opinião pública. Ficou claro que não são os vizinhos que ameaçam “existencia­lmente” a Rússia, mas o contrário.

Suécia e Finlândia já são democracia­s e membros da União Europeia. A decisão de ingressar na Otan é livre e soberana, e faz sentido estratégic­o para a segurança desses países e os da Otan, em especial os do Báltico. Ambos cooperam há décadas com a Otan e, se integrados, podem emular as estratégia­s da Noruega de convivênci­a com a Rússia.

Isso não significa que o Kremlin não alegará uma provocação e não a utilizará como pretexto para suas ofensivas nacionalis­tas. Também não significa que os ocidentais, sem abrir mão de apoiar a defesa ucraniana, não devam concertar estratégia­s para desescalar o conflito, moderar sua retórica belicosa e, no momento oportuno, participar de uma negociação de paz, oferecendo garantias aos interesses ucranianos em relação à sua soberania e território e, ao mesmo tempo, uma saída “honrosa” para Putin. Isso envolverá acordos sobre armas convencion­ais e nucleares entre Otan e Rússia. Mas, agora, a Otan está mais forte, não mais fraca, para defender seus membros.

Suécia e Finlândia são só mais duas nações democrátic­as e soberanas que estão se unindo a outras na Otan, uma aliança de defesa, não um império como o que Putin tenta exumar. Como resumiu o presidente finlandês em mensagem a Moscou: “Você causou isso. Olhe-se no espelho”.

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