Temporada de ‘Irmandade’ começa em alta velocidade
Atriz Naruna Costa e o roteirista Pedro Morelli comentam as mudanças na trama e nos personagens da série da Netflix
Estreou na quarta-feira, 11, a segunda temporada de Irmandade na Netflix. A série brasileira conta a história de Cristina (Naruna Costa), uma advogada honesta que descobre que o irmão Edson (Seu Jorge), desaparecido há anos, está, na verdade, preso por ser líder de uma facção criminosa.
Nos novos episódios, a personagem de Naruna fará o que for preciso para levar a facção ao próximo nível. Em contrapartida, Edson corre risco de morte na prisão e enfrenta extorsão pelo chefe corrupto da segurança.
Criador do seriado, Pedro Morelli explica que, como o público já conhece a trama, “não precisamos investir tempo com introduções. A temporada já começa em alta velocidade”.
No entanto, a lógica proposta nos primeiros episódios se mantém: trazer entretenimento e debates sociais urgentes.
Morelli explica que, como o roteiro tem sempre valores morais em jogo, o público acaba envolvido com a narrativa. “É esse olhar menos viciado, desarmado de preconceitos, que proporciona reflexão.”
Sobre o debate social proposto na história, Pedro Morelli aponta: “As condições degradantes de muitas prisões brasileiras são o principal motivo do surgimento das facções”.
“Enquanto a primeira temporada trata desse surgimento, a segunda mostra os desdobramentos do crescimento das facções, sua relação promíscua com as autoridades e o começo da atuação delas no tráfico de drogas fora das prisões nos anos 1990”, comenta.
Outra mudança é a profundidade com que os personagens puderam ser retratados. “A diferença das duas temporadas é o medo. Cristina conhece o terreno que está pisando. Ela cresce quando entende que pode ser útil de verdade para a Irmandade, e passa a defendê-la com muita paixão”, fala Naruna sobre a sua personagem.
A artista explica que a preparação dessa Cristina mais madura foi intensa, uma vez que precisou ser feita a distância, por conta da covid.
LUTA. Foi justamente a partir dessa imersão que ela aprendeu mais sobre estar disposta a lutar pelo que acredita: “Eu me reconheço na Cristina”.
“Para além de uma mulher preta tentando sobreviver ao racismo brasileiro cotidianamente, me vejo nela pela paixão. Ela não desiste. Eu sou assim também. Isso nos mantém, literalmente, vivas”, reforça a atriz. •
O colecionador paranaense Orandi Momesso tem mais de 5 mil obras em seu acervo, mas reserva um lugar especial para sua coleção de 70 trabalhos do pintor José Antonio da Silva – 63 pinturas, seis desenhos e uma colagem. Como maneira de dividir com os outros o privilégio de conviver com essas peças, Momesso lançou um livro, Silva, pela editora Via Impressa, com textos do poeta Augusto de Campos, do pintor Paulo Pasta e dos críticos Olívio Tavares de Araújo e Paulo Venâncio Filho. Trata-se de uma obra fundamental para conhecer aspectos da vida e obra de Silva raramente explorados em outras publicações.
O próprio Orandi revela que a pintura de José Antonio da Silva despertou nele “memórias afetivas” de sua infância no interior do Paraná, em que testemunhou as derrubadas e queimadas retratadas nas telas do pintor, nascido em Sales de Oliveira (em 1909) e morto em São Paulo (em 1996). “Descobri sua pintura durante uma visita à Pinacoteca do Estado”, conta Orandi, lembrando o impacto de ver pela primeira vez a tela Luta de Touros (1968), reproduzida no livro. Atestou nesse momento que Silva não era primitivo nem ingênuo, mas um gênio, como se autoproclamava.
Até por isso, Silva nunca se conformou com a rejeição da comissão que selecionou os nomes da 4.ª Bienal de São Paulo (1957), que reservou sala especial para o pintor expressionista abstrato americano Jackson Pollock, morto um ano antes, e interditou sua entrada na mostra. Pior: quem fazia parte da comissão de seleção era o crítico Lourival Gomes Machado, tido como seu “descobridor”.
Alta traição. A Bienal (e ele participou das três primeiras) virou sua obsessão: pintou várias telas contra a mostra, uma delas em 1976, que ilustra a capa do livro patrocinado por Momesso.
AFETIVO.
Nos anos 1950, com o apoio do primeiro diretor do
Masp, Pietro Maria Bardi, e do crítico Theon Spanudis, Silva já conquistara o público intelectual com paisagens da terra calcinada, dos algodoais, das intempéries e festas populares. Spanudis, na mesma época, ajudou a promover a pintura de Volpi, mas, mesmo “ardiloso”, Silva, segundo o crítico
Paulo Venâncio, não se aproveitou da ascensão do colega. Sua obra, ainda de acordo com sua visão, estava “entranhada em seu mundo afetivo, formativo, do qual nunca se afastou”. Para o crítico, ele foi o exemplo do caipira que ascendeu a uma atividade que seu ambiente não reconhecia.
No entanto, como observa o poeta Augusto de Campos no livro, Silva jamais abjurou seu passado. Campos conta que Waldemar Cordeiro, precursor da arte concreta no Brasil, “escreveu palavras expressivas de reconhecimento à obra de Silva”, ao elogiar o “senso detalhista” e cromático que destacou o pintor entre os de sua geração. É possível que esse Silva colorista tenha nascido após ver as 30 telas de Van Gogh na Bienal de 1959, diz Venâncio. Ele teria se “identificado com a veracidade do expressionismo do holandês”. Silva, à maneira de Van Gogh, pintou o mundo ao redor. O brasileiro – e o uso dos amarelos e azuis no final dessa década não mente – fez o mesmo, acrescentando uma nota brutal a essa experiência existencial de egresso do mundo rural.
Spanudis, que gostava de classificações, separou sua pintura em quatro fases: a das cores sombrias (1946-48), a da paleta leve e lírica (1948-1955), a pontilhista (1955) e a das cores puras e construção sintética (de 1957 em diante).
TESTEMUNHO.
O pintor Paulo Pasta destaca no livro a fidelidade de Silva à raiz rural, ao mundo de sua infância no campo, que considera o núcleo central de sua obra. “Penso que Silva percorreu todo o século pintando sua experiência pessoal do mundo”, escreve Pasta, não deixando de observar que mesmo suas naturezas-mortas estão impregnadas da presença humana – e ele cita, a propósito, uma tela em que Silva pinta uma melancia ao lado de uma faca e da mão do trabalhador que a cortou. “Ele não pinta a partir do que viu ou vê, mas a partir do que viu e viveu, afastando-se de um simples testemunho do real”, conclui Pasta. Outro aspecto que o crítico Paulo Venâncio Filho aborda no livro é a concomitância do fim de uma cultura caipira e o florescimento da cultura urbana que Silva deixou registrada em suas telas como um “documento verídico” de uma modernidade que o Brasil abraçou sem saber o que era. •