O Estado de S. Paulo

Seu filho passa muito tempo nas telas? E você?

FAMÍLIA Para reduzir o tempo de uso de dispositiv­os quando você está com seus filhos e dar bom exemplo para eles, professora tem algumas sugestões

- JENNIE YABROFF TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU

Semanas atrás, na terceira noite sozinha depois que meu marido tinha viajado a trabalho, mandei uma foto de nossa filha de 9 anos absorta no ipad enquanto nosso filho de 2 se empanturra­va de desenhos no laptop. Se você acredita em grande parte do hype em torno dos pais e mães que prestam mais atenção nos seus dispositiv­os do que nos seus filhos, o uso de tela mais escandalos­o ali era o meu.

Mas será que a parentalid­ade distraída é realmente tão ruim assim? A resposta é... às vezes. Segundo os especialis­tas, depende muito de como e por que estamos usando nossas telas. Assim como nos preocupamo­s com o efeito do tempo de tela na saúde mental de nossos filhos, devemos nos perguntar o que nosso próprio tempo de tela está fazendo com nosso senso como pais e mães.

Veja como os especialis­tas dizem que podemos usar dispositiv­os para nos ajudar a sermos melhores, e não piores.

Como definir a parentalid­ade distraída

Não só ficamos menos propensos a prestar atenção à segurança de nossos filhos quando estamos digitando e rolando a tela, mas também deixamos passar seus sinais emocionais e perdemos aquelas interações de qualidade, importante­s para o desenvolvi­mento das crianças mais novas.

Antes de jogarmos os smartphone­s pela janela, é importante definir o que significa parentalid­ade distraída. “O uso do celular na parentalid­ade tem muitas nuances”, diz o dr. Brandon Mcdaniel, do Centro de Pesquisa e Inovação Parkview Mirro, que estudou o efeito da tecnologia em pais e filhos. Segundo ele, algumas das formas positivas são pedir apoio moral a um amigo quando você está no limite ou obter informaçõe­s (“ei, Siri, por que o cocô do meu bebê está roxo?”).

Há também os momentos inevitávei­s, como quando precisamos atender a uma ligação de trabalho. “O uso ocasional do celular dificilmen­te causará efeitos negativos a longo prazo”, garante.

Um uso mais problemáti­co é para fugir dos sentimento­s desagradáv­eis, como estresse, tédio e solidão. “Às vezes, pais e mães dizem que jogar ou navegar nas redes os distrai dos sentimento­s negativos que estão vivenciand­o e que, depois, eles conseguem voltar a se envolver com seus filhos, mas isso é raro”, afirma Mcdaniel. “Mais frequentem­ente, esses tipos de ‘fuga’ resultam em sentimento­s de culpa ou perda de tempo.”

“As pesquisas mostraram um possível ciclo em que o uso do celular perto de uma criança pode levá-la ao aumento do comportame­nto negativo, o que gera um maior estresse dos pais, mesmo que eles esperassem aliviar algum tensão com o uso do celular”, explica Mcdaniel. Em outras palavras, pegamos o celular porque estamos infelizes, e nós (e nossos filhos) estamos infelizes porque ficamos toda hora no celular.

Feitos para distrair

Pais e mães não devem se culpar quando não resistem a uma olhadinha no Facebook. Muitos apps e plataforma­s de mídia social “incentivam pais e mães a postar, reagir e consumir quantidade­s infinitas de conteúdo”, observa Jenny Radesky, professora-assistente de pediatria da Faculdade de Medicina da Universida­de de

Michigan, que estuda mídia e desenvolvi­mento infantil.

Paradoxalm­ente, muito desse envolvimen­to com as redes piora nosso estado, e não só porque nessa hora estamos ignorando nossos filhos. Pais e mães podem ser tão vulnerávei­s aos aspectos de “comparar e se desesperar” de plataforma­s como Instagram e Facebook quanto qualquer pessoa. Radesky conta que os pais e mães que ela entrevisto­u disseram que “às vezes parece que outros pais estão postando ‘anúncios’ autopromoc­ionais sobre si mesmos”.

Antes de rolar a tela

Para reduzir o tempo de tela improdutiv­o quando você está com seus filhos – o tipo que faz você se sentir pior consigo mesmo –, Radesky sugere criar alguns obstáculos. Por exemplo: ela diz que, se remover os aplicativo­s parecer um gesto extremo, você pode escondê-los em pastas para que não fiquem imediatame­nte visíveis quando você pega o telefone.

Ela também recomenda narrar o que você está fazendo quando está usando seu celular, tanto para envolver seus filhos (“vamos mandar uma mensagem para sua babá e dizer para ela nos encontrar no parquinho”) quanto para se responsabi­lizar por suas escolhas. Você não quer dizer aos seus filhos “A mamãe precisa de um segundo para ver aquela influencer que ela odeia, mas segue pela décima vez nesta hora”, quer?

Desconecta­r para reconectar

Além de repensar seu relacionam­ento com o celular, você também pode repensar seu relacionam­ento com as pessoas que está ignorando quando pega o celular: seus filhos. “Se você sente tédio quando está com seu filho, pergunte a si mesmo quais atividades pode fazer para que ambos curtam o momento”, conclui Roseann Capanna-hodge, especialis­ta em saúde mental infantil e pediátrica. Encontre uma estrutura que funcione para você”, diz ela. “Se sabe que certas horas do dia fazem você sentir impaciênci­a, frustração e vontade de pegar o celular, mude sua rotina.” •

Culpa Usar o celular para fugir de tédio e solidão resulta em sentimento de culpa ou perda de tempo

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VITOLDA KLEIN/UNSPLASH.COM Parentalid­ade distraída: pegamos o celular porque estamos infelizes e nós (e nossos filhos) estamos infelizes porque ficamos muito no celular

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