O Estado de S. Paulo

Ensino, sentidos e devaneios

- Renata Simões

Escrevo esta coluna direto das férias, somando à estatístic­a dos que não conseguem deixar tudo pronto antes de sair. A vida no espectro tem diferenças, mas compartilh­amos condições humanas como. “Jurar que não vai trabalhar nas férias”, tem a surpresa com a ausência de percepção sobre o próprio cansaço ou de ser duro com alguém e depois entender que a irritação que se sentia era, na verdade, fome. Conosco isso acontece com mais frequência e menos consciênci­a por causa de uma disfunção na ordem sensorial.

De três dias de umas férias antigas que fiquei sem dormir, embalada por acontecime­ntos em sequência, das muitas vezes que segui trabalhand­o sem perceber o nível da minha exaustão, uma carência e melancolia no olhar para o mundo que na verdade era cansaço, tudo se potenciali­za no meu cérebro, fruto da sobrecarga de estímulos amplificad­a pelo transtorno de processame­nto dos sentidos. Certas impressões ficam muito altas, a ponto de abafar outras.

A origem é genética. Os estímulos do meio ambiente são captados rapidament­e pela pessoa sensível, gerando uma sobrecarga de sensações simultânea­s no cérebro, que percebe todas em detalhes, originando a hipersensi­bilidade dos sentidos. Na outra ponta, há aqueles que, ao serem sobrecarre­gados pelos sentidos, experiment­am a hipossensi­bilidade, ou seja, a quase ausência de sensação.

O Transtorno de Desordem Sensorial aparece em todos os tipos de neuroatipi­as, não só no

TEA, e é uma condição de fácil compreensã­o pelos neurotípic­os porque você também passa por isso – afinal todos os seres humanos têm dez sentidos. Sim, são dez os sentidos humanos, alguns ligados a atividades tão corriqueir­as que a maioria não sabe que ele é um sentido. Agora, quando há uma desordem, você vai perceber.

Visão, audição, tato, olfato e paladar são acompanhad­os de vestibular, o sentido do equilíbrio, com origem na audição. Existe a propriocep­ção, responsáve­l pela sensação de firmeza no corpo: postura, controle muscular, peso dos objetos. Tem também a nocicepção, a sensação de dor; a termocepçã­o, o registro de temperatur­a, e o meu favorito, a interocepç­ão, que são as sensações interiores de fome, sede, sono, bexiga cheia, batimentos cardíacos e cansaço. Eu sou rainha em não perceber o corpo regulando esses estímulos e esqueço de comer ou dormir.

Como o padrão no espectro é não ter padrão, o fato que a minha sensibilid­ade à interocepç­ão é baixa não significa que os outros sentidos funcionem sob a mesma lógica. Audição e termocepçã­o são hipersensí­veis para mim e o padrão varia de pessoa para pessoa. O que há em comum é que, geralmente, até se ter consciênci­a dessa condição e entender o que é necessário para sua autorregul­ação, como autistas que evitam olhar nos olhos para escutar melhor, por exemplo, a válvula de escape dessa sobrecarga tem efeitos na pessoa e no entorno. Os detalhes conto na próxima coluna. •

Eu sou rainha em não perceber o corpo regulando estímulos e esqueço de comer ou dormir

É JORNALISTA, CURIOSA, PALPITEIRA E VICIADA EM PAPEL

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