Ensino, sentidos e devaneios
Escrevo esta coluna direto das férias, somando à estatística dos que não conseguem deixar tudo pronto antes de sair. A vida no espectro tem diferenças, mas compartilhamos condições humanas como. “Jurar que não vai trabalhar nas férias”, tem a surpresa com a ausência de percepção sobre o próprio cansaço ou de ser duro com alguém e depois entender que a irritação que se sentia era, na verdade, fome. Conosco isso acontece com mais frequência e menos consciência por causa de uma disfunção na ordem sensorial.
De três dias de umas férias antigas que fiquei sem dormir, embalada por acontecimentos em sequência, das muitas vezes que segui trabalhando sem perceber o nível da minha exaustão, uma carência e melancolia no olhar para o mundo que na verdade era cansaço, tudo se potencializa no meu cérebro, fruto da sobrecarga de estímulos amplificada pelo transtorno de processamento dos sentidos. Certas impressões ficam muito altas, a ponto de abafar outras.
A origem é genética. Os estímulos do meio ambiente são captados rapidamente pela pessoa sensível, gerando uma sobrecarga de sensações simultâneas no cérebro, que percebe todas em detalhes, originando a hipersensibilidade dos sentidos. Na outra ponta, há aqueles que, ao serem sobrecarregados pelos sentidos, experimentam a hipossensibilidade, ou seja, a quase ausência de sensação.
O Transtorno de Desordem Sensorial aparece em todos os tipos de neuroatipias, não só no
TEA, e é uma condição de fácil compreensão pelos neurotípicos porque você também passa por isso – afinal todos os seres humanos têm dez sentidos. Sim, são dez os sentidos humanos, alguns ligados a atividades tão corriqueiras que a maioria não sabe que ele é um sentido. Agora, quando há uma desordem, você vai perceber.
Visão, audição, tato, olfato e paladar são acompanhados de vestibular, o sentido do equilíbrio, com origem na audição. Existe a propriocepção, responsável pela sensação de firmeza no corpo: postura, controle muscular, peso dos objetos. Tem também a nocicepção, a sensação de dor; a termocepção, o registro de temperatura, e o meu favorito, a interocepção, que são as sensações interiores de fome, sede, sono, bexiga cheia, batimentos cardíacos e cansaço. Eu sou rainha em não perceber o corpo regulando esses estímulos e esqueço de comer ou dormir.
Como o padrão no espectro é não ter padrão, o fato que a minha sensibilidade à interocepção é baixa não significa que os outros sentidos funcionem sob a mesma lógica. Audição e termocepção são hipersensíveis para mim e o padrão varia de pessoa para pessoa. O que há em comum é que, geralmente, até se ter consciência dessa condição e entender o que é necessário para sua autorregulação, como autistas que evitam olhar nos olhos para escutar melhor, por exemplo, a válvula de escape dessa sobrecarga tem efeitos na pessoa e no entorno. Os detalhes conto na próxima coluna. •
Eu sou rainha em não perceber o corpo regulando estímulos e esqueço de comer ou dormir
É JORNALISTA, CURIOSA, PALPITEIRA E VICIADA EM PAPEL