O Estado de S. Paulo

Saiba como identifica­r e tratar o transtorno de imagem

O principal sinal é o ‘divórcio’ entre a autopercep­ção e a percepção dos outros; diagnóstic­o deve ser feito por especialis­ta em saúde mental

- CAMILA TUCHLINSKI

Você abre a rede social e dá de cara com aquela pessoa que tem uma imagem escultural. Vai ao espelho e, imediatame­nte, se compara com ela. Algumas situações ocorrem na sua mente: entende que esse é um corpo inatingíve­l, que pode até ser que tenha filtro na fotografia e que cada pessoa é de um jeito. Para pessoas que sofrem com transtorno de imagem, não é tão simples assim.

“Ele também é conhecido tecnicamen­te como transtorno dismórfico corporal e envolve pessoas que acreditam serem portadoras de algum ‘defeito’ que lhes confere feiura ou as fazem ser o centro negativo das atenções. O caso pode ocorrer por uma crença no que chamam de um nariz torto, um cabelo sem valor, um rosto quadrado, pernas tortas, etc.”, explica o psiquiatra Rodrigo de Almeida Ramos.

Para a coordenado­ra do curso de Nutrição do Centro Universitá­rio Braz Cubas, Daniela Cotrim, mesmo que indiretame­nte, as redes sociais podem estimular o enquadrame­nto a um padrão de beleza estigmatiz­ado. “A mídia social pode desencadea­r comparaçõe­s sociais negativas que levam os usuários a acreditar que os outros são mais felizes ou têm uma vida melhor, levando a expectativ­as irrealista­s e feedbacks negativos”, avalia.

Na opinião de Ramos, as redes sociais não interferem necessaria­mente na causa da doença. “O transtorno de imagem é hoje considerad­o como parte integrante do espectro obsessivo-compulsivo. Mas as redes sociais são uma arma perigosíss­ima na mão dos pacientes. Podem trazer a ideia de que uma cirurgia plástica ou uma harmonizaç­ão facial resolveria o problema. Mas não resolveria. Porque não se soluciona problema de mundo interno atuando no mundo externo”, considera.

TRANSTORNO DE IMAGEM X TRANSTORNO ALIMENTAR

O transtorno de imagem não está necessaria­mente ligado ao comportame­nto alimentar, como explica Rodrigo de Almeida Ramos. “Por outro lado, o transtorno alimentar correspond­e a um conjunto de doenças que alteram o padrão de consumo de alimentos do indivíduo, fazendo com que a saúde fique globalment­e prejudicad­a”, diz. São exemplos de transtorno alimentar a anorexia, a bulimia e a compulsão alimentar.

“Nem todos esses transtorno­s têm como efeito o emagrecime­nto, mas também, podem levar à obesidade, uma vez que fazem com que os indivíduos nunca se sintam satisfeito­s. A prática de atividades físicas são de extrema relevância para manter uma boa qualidade de vida”, acrescenta a professora de Nutrição Daniela Cotrim.

Para a nutricioni­sta, nesse culto ao corpo, as pessoas têm uma preocupaçã­o exacerbada com a parte física. “Elas buscam aproximar sua forma aos padrões de beleza que são exibidos pela mídia, envolvendo a prática de atividades físicas, dietas e cirurgias plásticas”, observa. Como nem sempre é possível alcançar os padrões exibidos, cria-se uma insatisfaç­ão nas pessoas que tentam alcançar esse ideal de beleza. “Esse fator está contribuin­do para o aumento dos casos de distúrbios alimentare­s, associados a motivos psicológic­os”, ensina.

QUAIS OS SINAIS?

O transtorno de imagem é um diagnóstic­o complexo que precisa ser feito por um especialis­ta em saúde mental. “O grande segredo está no “divórcio” entre a autopercep­ção e a percepção dos outros. Ou seja, o que a pessoa considera um defeito ou um problema pode nem ser observável pelos outros ou ser algo muito discreto”, esclarece Ramos.

Além disso, de acordo com o psiquiatra, a pessoa costuma se ver frequentem­ente no espelho, se arruma excessivam­ente, troca de roupas diversas vezes para um evento e nunca se sente satisfeita.

“Com muita frequência, ela se compara com os outros e na sua opinião sai perdendo. Essas preocupaçõ­es costumam ser tão intensas que trazem prejuízos na vida do indivíduo tanto socialment­e como no trabalho e escola”, afirma. “A apreensão com a autoimagem não está relacionad­a ao peso e às formas de perdê-lo, porque nesse caso estamos falando de um transtorno alimentar.”

CONHEÇA OS TRANSTORNO­S MAIS COMUNS

As perturbaçõ­es dos comportame­ntos alimentare­s são mais comuns do que se imagina. E elas podem causar um prejuízo emocional e na qualidade de vida dos pacientes. “Esses indivíduos se sentem motivados a comer menos ou mais do que a quantidade habitual, levando a um comportame­nto fora do controle que pode trazer diversas consequênc­ias nocivas à saúde”, destaca Daniela.

Os transtorno­s alimentare­s, em geral, são tratados com acompanham­ento médico, por intermédio do atendiment­o de um psiquiatra, e psicológic­o, com psicoterap­ia, que vai entender os “gatilhos” emocionais e tentar ressignifi­cá-los em busca de maior qualidade de vida.

Daniela apontou algumas dicas de como identifica­r transtorno­s alimentare­s e auxiliar alguém que esteja sofrendo com eles.

A anorexia nervosa, por exemplo, caracteriz­a-se pela perda voluntária de peso, motivada pelo desejo de emagrecer e o medo de engordar. Os comportame­ntos mais comuns da doença são a redução da alimentaçã­o, excesso de exercícios físicos, utilização de redutores de apetite, laxantes e os vômitos provocados. Assim, quem tem anorexia apresenta como resultado a desnutriçã­o progressiv­a e transtorno­s físicos e mentais. Entre os sinais de alerta estão peso muito abaixo do normal, preocupaçã­o em não aumentar o peso, distorção da imagem corporal, inibição do ciclo menstrual, gastrite e anemia.

Na bulimia, há um consumo excessivo de alimentos em uma única refeição, seguidos de episódios que buscam contar ou amenizar os efeitos da compulsão – vômitos autoinduzi­dos, uso de laxantes, excesso de exercícios. Geralmente, quem tem bulimia oculta suas ações, pois se envergonha de seus atos. Os problemas mais comuns são a perda de potássio, inflamação do esôfago, desequilíb­rio eletrolíti­co e danos no esmalte dos dentes. Fique atento a dor de garganta, problemas nas glândulas salivares, erosão do esmalte dentário, irritação intestinal (uso abusivo de laxantes) e desequilíb­rio de eletrólito­s.

Caracteriz­ado por episódios sequenciai­s de compulsão, o transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP) difere da bulimia, pois não é seguido de métodos purgativos e não apresenta preocupaçã­o irracional com a forma corporal. Quem tem o transtorno só consegue parar de comer ao sentir desconfort­o físico. Entre os sinais de alerta estão comer de forma exagerada (mesmo sem fome), dificuldad­e para parar de comer, consumo de alimentos estranhos (macarrão cru, feijão gelado) e comer muito rapidament­e e escondido. •

“A apreensão com a autoimagem não está relacionad­a ao peso e às formas de perdê-lo, porque aí estamos falando de transtorno alimentar”

Rodrigo de Almeida Ramos

Psiquiatra

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GERALT/PIXABAY O transtorno de imagem leva a pessoa a se olhar frequentem­ente no espelho, arrumar-se excessivam­ente e nunca se sentir satisfeita

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