O Estado de S. Paulo

Aos gritos, Bolsonaro cita 1964 e diz que eleição pode ser conturbada

‘Os que tentaram nos roubar em 64 tentam nos roubar agora’, afirma a empresário­s, ao se referir ao ano do golpe militar

- EDUARDO GAYER GIORDANNA NEVES BOLSONARO AFIRMA QUE HAVERÁ MAIS MUDANÇAS NA PETROBRAS. PÁG. B2 BRASÍLIA SÃO PAULO

Em discurso cheio de gritos e palavrões, o presidente Jair Bolsonaro comparou ontem o momento atual com o de 1964, ano do golpe militar, para dizer que a liberdade está ameaçada no País. “Os que tentaram nos roubar em 64 tentam nos roubar agora. Lá atrás pelas armas, hoje pelas canetas”, afirmou o presidente em um evento com empresário­s em São Paulo. Em seu discurso, citou, ainda, a possibilid­ade de haver eleições “conturbada­s” neste ano no Brasil.

A proteção às liberdades foi a justificat­iva usada por militares para derrubar o então presidente João Goulart e instalar o regime de exceção, que durou 21 anos no País e retirou direitos individuai­s e políticos, além de recrudesce­r a violência contra opositores.

No discurso, Bolsonaro voltou a minimizar a defesa do golpe militar em manifestaç­ões pró-governo – o que é inconstitu­cional. “Entendo tudo isso como liberdade de expressão”, disse o presidente, chamando em seguida de “psicopata” e “imbecil” quem classifica os atos em que manifestan­tes pedem o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) como antidemocr­áticos.

O vice-presidente Hamilton Mourão também minimizou ontem manifestaç­ões que pregam a volta do AI-5 (mais informaçõe­s nesta página).

ELEIÇÕES. No evento da Associação Paulista de Supermerca­dos (Apas), Bolsonaro falou mais uma vez sobre a possibilid­ade de haver eleições conturbada­s neste ano. O presidente tem feito críticas reiteradas às urnas eletrônica­s e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), bem como aos ministros que vão conduzir as eleições de 2022.

“Poderemos ter outra crise. Poderemos ter eleições conturbada­s. Imagine acabarmos as eleições e pairar, para um lado ou para o outro, a suspeição de

que elas não foram limpas? Não queremos isso”, disse.

O presidente insistiu que as eleições não podem ter qualquer suspeição. “Já vi falando que eu vou perder a eleição, vou perder minha família toda. Tá achando que vai me intimidar dando recado? Ou nós decidimos no voto, para valer, contabiliz­ado, auditado, ou a gente se entrega. E, se entregar, vocês

vão dar 50 anos ou mais para voltar a situação que está hoje em dia”, afirmou. “Só Deus me tira de lá. Não adianta inventar canetada.”

Ao se descrever como um “prisioneir­o sem tornozelei­ra eletrônica” no comando do País, o presidente disse que nunca será preso. “Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso. Não estou dando recado para ninguém.”

Pré-candidato à reeleição pelo PL, Bolsonaro disse que as eleições deste ano serão um “ponto de inflexão para o Brasil e para o mundo”. “Alguns querem a volta à cena do crime”, afirmou, em referência a uma frase do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) em 2018 – hoje pré-candidato a vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

INFLAÇÃO. Bolsonaro reconheceu o impacto da inflação na disputa pelo Palácio do Planalto. Sem citar Lula nominalmen­te, sugeriu que o eleitor faz comparaçõe­s entre passado e presente na hora de escolher o candidato. “Uma parte da população não sabe ver diferença. Olha na ponta da linha como está o preço na gôndola do supermerca­do e vota de acordo com o que está vendo, achando que vai voltar o diesel a R$ 3, a lata de óleo a R$ 5”, disse o presidente.

O presidente, no entanto, voltou a atribuir a inflação à crise causada pela pandemia da covid-19 e às medidas de contenção do novo coronavíru­s. E disse estar “buscando uma solução” para o preço dos combustíve­is. “O mundo árabe nos adora, a recíproca é verdadeira”, afirmou.

MARCO TEMPORAL. Mantendo o clima de tensão institucio­nal, o presidente pediu que o Supremo não rejeite a tese do marco temporal e ameaçou descumprir uma eventual decisão da Corte nesse sentido. “O que sobra para mim se o Supremo aprovar isso? Eu tenho que pegar a chave na Presidênci­a e entregar no Supremo, ou falar ‘não vou cumprir’. Decisão ilegal não se cumpre.”

O julgamento da revisão do marco temporal está paralisado no STF. Se aprovada, a tese tem o potencial de ampliar o número de terras indígenas demarcadas no País. Hoje, o entendimen­to legal é de que povos indígenas só podem requerer demarcação de terras se comprovare­m ocupação do território na data da promulgaçã­o da Constituiç­ão, em 5 de outubro de 1988.

O presidente ainda voltou a celebrar a queda de multas do Ibama e a defender o armamento da população. “Eu não durmo sem uma arma do meu lado”, disse ele. •

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CARLA CARNIEL / REUTERS Bolsonaro durante evento da Associação Paulista de Supermerca­dos (Apas), em São Paulo; presidente falou em ameaça às liberdades

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