O Estado de S. Paulo

Novas tecnologia­s, velhos problemas

Onda de roubo de celulares limita o uso de aplicativo­s por paulistano­s, obrigados a usar aparelhos com poucos recursos

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OBrasil, como o resto do mundo, está experiment­ando há alguns anos um formidável avanço na oferta de serviços disponívei­s pelo celular, em especial o comércio eletrônico e as operações bancárias. Mas, por ser um país em que a violência urbana é igualmente parte integrante do cotidiano dos cidadãos, esses mesmos avanços não podem ser usados em sua plenitude, pois permitem que criminosos, roubando celulares, invadam contas bancárias ou façam compras em valores altíssimos. A facilidade é tanta e os ganhos são tão altos que essa modalidade de roubo chamou a atenção do crime organizado, que passou a se associar a quadrilhas especializ­adas em celulares.

Se os bandidos aderiram à tecnologia dos aplicativo­s de celular – decerto mais barata, segura e eficiente do que explodir caixas eletrônico­s –, os pobres cidadãos estão sendo obrigados a evitá-la. Reportagem do Estadão mostrou que muitos paulistano­s, infernizad­os por uma onda de roubos de celulares, passaram a usar na rua aparelhos antigos, com um número limitado de aplicativo­s sensíveis e sem acesso à conta bancária ou a cartão de crédito, ou então ter um celular reserva em casa somente para fazer transações bancárias.

Uma das estratégia­s de quem busca se proteger contra futuros golpes é manter apenas um aplicativo bancário no celular utilizado fora de casa − com pouco dinheiro em conta e limite reduzido para transferên­cias (além da opção de empréstimo­s desativada).

Para quem é de gerações anteriores ao Pix e aos smartphone­s, a estratégia não chega a ser novidade. Trata-se, na verdade, de uma atualizaçã­o, em tempos de alta tecnologia, da tática de andar com uma carteira com pouco dinheiro e sem documentos ou de carregar, no banco da frente do carro, uma bolsa sem nada de valor, enquanto a bolsa “verdadeira” permanece no porta-malas.

Outra reportagem recente do Estadão revelou que o roubo de celulares para acessar contas bancárias e fazer transferên­cias por Pix entrou no radar do crime organizado: investigaç­ão da Polícia Civil apontou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) havia cooptado uma quadrilha com atuação na Bela Vista − bairros nobres e a região central de São Paulo tiveram expressivo aumento de roubos entre janeiro e março deste ano. A operação policial descobriu um núcleo responsáve­l por desbloquea­r celulares roubados para invadir contas. E mirou grupos que recebiam aparelhos em lojas de eletrônico­s e quartos de hotéis no centro da cidade.

Os governos e as polícias informam que estão tomando providênci­as tanto para coibir o envolvimen­to do crime organizado como para reduzir as ocorrência­s de roubo de celulares. Em breve, certamente números grandiloqu­entes serão apresentad­os para mostrar bons resultados nessas operações, mas nada será suficiente para reduzir a sensação de que vivemos o paradoxo caracterís­tico de um país incapaz de dar tranquilid­ade aos cidadãos: temos acesso ao que há de mais moderno, mas, para não chamar a atenção do ladrão, somos obrigados a recorrer ao atraso.

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