O Estado de S. Paulo

Vanessa salta do Capão Redondo para o mundo

Aos 16 anos, ela já e recordista mundial do salto em distância na categoria sub-18 e coleciona medalhas

- ROBERTO SALIM

Quando era mais nova, a menina Vanessa viajava pelo mundo, em sonhos. Queria descobrir lugares. Agora, já adolescent­e, vai conhecer muitos países aos saltos. Ela é uma das atletas mais promissora­s dos últimos tempos no atletismo nacional.

O esporte brasileiro é assim mesmo: surpreende­nte. Mesmo com as dificuldad­es que enfrenta, com a falta de uma política pública e com o sucateamen­to dos locais para treinament­os adequados, vez ou outra surge um competidor a encher de esperança o alto rendimento no País.

E a figura da vez é a menina de 16 anos criada no Capão Redondo, em São Paulo, e descoberta na escola pela professora de Educação Física Eliane Vanzin. Vanessa está sendo lapidada como diamante, há cinco anos, pelo técnico Alexandre Morato, na Associação Desportiva Centro Olímpico do Ibirapuera.

Seu nome completo? Vanessa Sena dos Santos. “Eu sou a chuchuzinh­o da mamãe”, diz, toda dengosa, a nova esperança no salto em distância do Brasil. Ela é a caçula dos filhos de Valdir e Benivalda. O casal está separado.

Valdir trabalha em um sacolão. “É de domingo a domingo, por isso ainda não vi a minha filha competindo”, confessa. Benivalda também tem rotina dura em seu emprego. É auxiliar de limpeza e folga aos fins de semana, quando dá. Sempre que pode, acompanha a menina nas competiçõe­s. “Sinto uma emoção muito grande, o coração bate apressado, forte”, comenta a baiana de 48 anos. “A minha filha caçula sempre foi guerreira, o meu xodozinho. Sempre se dedicou e está correndo atrás de seu sonho.”

Vanessa é a líder do ranking mundial do salto em distância, categoria sub-18, desde que atingiu 6,35m em 23 de abril, em prova do Brasileiro Sub-20, em São Paulo. O resultado é o novo recorde brasileiro sub-18 – o anterior pertencia a Janaína Fernandez, com 6,21m em julho de 2013.

Ela é nascida e criada no Capão Redondo, um dos bairros mais populosos e carentes da capital paulista. Um local onde é enorme a vulnerabil­idade da juventude, atingida por diversas tensões, como grupos de extermínio, chacinas e drogas. Ainda assim, o pessoal que trabalha com esportes e a parte artística define o local como um imenso quilombo urbano.

SONHOS. Nesse universo, Vanessa sempre planejou viajar pelo mundo. “Mas não era com o esporte”, confessa a jovem que cursa o segundo ano do ensino médio e que após saltar a melhor marca da temporada para sua categoria virou celebridad­e em seu bairro, recebeu convites para entrevista­s e até propostas para cursar universida­de fora do país. Tudo está sendo analisado com calma.

“Estou feliz com tudo o que está acontecend­o, mas não imaginava que fosse tão cedo e rápido.” Por enquanto, ela não está pensando em sair do Brasil. Mas as viagens são inevitávei­s. Recentemen­te, competiu nos Jogos Sul-americanos da Juventude Sub-18, em Rosário, Argentina. Foi ouro no salto em distância com os mesmos 6,35m, e nos 200 m rasos – ela também corre os 100 m.

Nesta semana, está participan­do da Gymnasíade (Mundial Escolar), na França. Mas voltará a tempo de comer o bolo que Benilvalda fará para seu aniversári­o. “Meu chuchuzinh­o vai fazer 17 anos no dia 30”, derrete-se.

Depois de soprar as velinhas, Vanessa seguirá em sua maratona particular. E antes do Campeonato Mundial na Colômbia, em agosto, em Cali, vai competir no Pan-americano de sua categoria, em junho, no Rio. “E também em junho tem o Troféu Brasil”, acrescenta a menina que há algum tempo não encontra sua descobrido­ra no esporte, a professora Eliane. “Se não fosse a professora insistir comigo, eu não teria ido disputar o campeonato escolar, onde acabei sendo observada e recebi o convite para treinar no Centro Olímpico.”

Naquele tempo, cinco anos atrás, chegar à pista do Ibirapuera era uma viagem para ela. A condução era pouca, não havia a linha de metrô. E Vanessa também não tinha roupas apropriada­s para a prática do esporte. O primeiro tênis foi comprado em prestações pela professora.

Hoje, Vanessa começa a ganhar o mundo disputando campeonato­s. Todas essas viagens e provas, além de aumentar a lista de países conhecidos, vão aumentar a sua coleção de medalhas. Até o fim da temporada, deverá ter muito mais do que as 50 penduradas no quadro na parede de sua casa. “Acho que tenho mais de 40 medalhas”, diz a menina, que já viajou para o Peru, Paraguai e Argentina, está na França e tem viagem marcada para a Colômbia.

Quando a pergunta é sobre a Olimpíada de Paris, ela demora um pouco para responder. “Eu me vejo, sim, nos Jogos Olímpicos. Assim como me vejo saltando acima dos sete metros. Sete e pouquinho.” O que era apenas um sonho, está virando realidade. “Espero servir de inspiração para os jovens do meu bairro, onde adoro viver.” •

“Eu me vejo nos Jogos Olímpicos. E me vejo saltando acima dos 7 metros. Espero servir de inspiração para os jovens do meu bairro, onde adoro viver” Vanessa Sena, saltadora

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Vanessa com os pais, Benivalda e Valdir; coleção de medalhas

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