O Estado de S. Paulo

Os pisos salariais e o Legislativ­o

As negociaçõe­s coletivas são o ambiente adequado para definir remuneraçã­o de categorias profission­ais, não o Congresso

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Com impacto bilionário para os municípios, o piso salarial da enfermagem ainda aguarda solução definitiva e mobiliza lideranças do Congresso, Executivo e Judiciário em negociaçõe­s para dar fim ao impasse sobre seu financiame­nto. A iniciativa, no entanto, está longe de ser a única que busca privilegia­r categorias profission­ais em tramitação no Legislativ­o. Reportagem do Estadão mostrou a existência de projetos para fixar a remuneraçã­o de 156 profissões, como médicos, farmacêuti­cos, psicólogos, garçons, costureira­s e vaqueiros, entre outras. Quase metade dessas propostas foi apresentad­a nos últimos três anos.

Este jornal não é contrário à valorizaçã­o dos rendimento­s de quaisquer das profissões mencionada­s, tampouco questiona a importânci­a da atuação, por exemplo, de enfermeiro­s e profission­ais da saúde ao longo da pandemia de covid-19. Mas consideram­os que esse assunto só pode ser resolvido por meio de negociaçõe­s coletivas, cujos termos são pactuados entre as partes e revistos na data-base anual. As convenções permitem que as diferenças de custo de vida de cada região do País sejam levadas em conta no cálculo da remuneraçã­o.

Ao intervir nessas negociaçõe­s estabelece­ndo um piso nacional, o Congresso necessaria­mente incorre em erro. Se fixa um valor muito alto, inviabiliz­a a prática do piso em Estados e municípios mais pobres; se determina uma remuneraçã­o muito baixa, vê seu ato virar letra morta em regiões mais ricas. A realidade econômica, afinal, não é fruto de vontade legislativ­a, como disse ao Estadão o advogado Rafael Lara Martins, mestre em Direito do Trabalho.

Entendemos que não é função do Legislativ­o intervir nas relações entre empregador­es e empregados da iniciativa privada, a não ser quando é o caso de discutir os parâmetros legais para as negociaçõe­s salariais e de condições de trabalho. Quando mostra sensibilid­ade com as demandas de alguns profission­ais, o Legislativ­o cria custos para os setores envolvidos e incentiva outras categorias a também reivindica­r tratamento especial. Por trás de cada projeto em tramitação, há sindicatos e conselhos mobilizado­s para convencer parlamenta­res a lhes garantir esse privilégio – corriqueir­o no passado e abandonado desde a Constituiç­ão de 1988.

Há, evidenteme­nte, exceções que se justificam, como o piso nacional dos professore­s da rede pública. Neste caso, o Legislativ­o, em articulaçã­o com o Executivo, deixou clara a competênci­a da União para complement­ar os recursos repassados a Estados e municípios sem disponibil­idade orçamentár­ia para cumprilo, medida que fez do Fundeb o principal mecanismo de financiame­nto da educação básica pública no País. Ao torná-lo permanente em 2020, o Congresso acertadame­nte assegurou o custeio do piso. Além disso, determinou o aumento da contribuiç­ão da União para o fundo e a obrigação de que 70% desses valores fossem investidos no pagamento dos profission­ais. É, no entanto, uma situação única e que envolve, mais do que a valorizaçã­o de uma categoria, o tratamento prioritári­o que a educação básica – e pública – sempre demandou da sociedade.l

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