O Estado de S. Paulo

‘Nossos líderes precisam de uma dose de ousadia’

Para o executivo, ‘a democracia tem de funcionar’ e o custo de produção deve ‘igualar-se ao da Ásia’

- SONIA RACY

Reforma política já

‘Não é razoável um país com mais de 30 partidos. Não existe ideologia nenhuma’

Poucos executivos e administra­dores construíra­m, nas últimas quatro ou cinco décadas, uma carreira – e com ela a experiênci­a – tão sólida como a do engenheiro carioca Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira. No setor químico, ele esteve à frente do Grupo Ipiranga – comprado em 2010 por Petrobras, Braskem e Grupo Ultra. E, durante 20 anos, integrou o conselho do BNDES – mesmo tempo em que presidiu a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, a Firjan, cargo no qual continua.

Ao falar do Brasil de hoje, ele o define com uma frase curta e prática: “Estamos numa democracia, ela tem de funcionar. Mas as lideranças precisam de uma dose de ousadia”. Para as eleições do próximo dia 2, ele adverte: “É responsabi­lidade de todos votar consciente­mente. Não só para o Executivo, para o Legislativ­o também”. E chama a atenção para dois grandes desafios, a guerra na Ucrânia e a covid, que a seu ver mudaram muito o cenário mundial. “Ficou evidente que é preciso reindustri­alizar o Brasil. Não se trata de nacionalis­mo, mas de precaução.” Diferentem­ente de seu par paulista, Josué Gomes da Silva, da Fiesp, ele não evita falar publicamen­te em tempos de eleições acirradas. Deixando claro que não torce por este ou aquele, e que seu papel é defender a indústria fluminense, o empresário fala, nesta conversa com Cenários, sobre caminhos para um futuro melhor.

Daqui a três dias, 156 milhões de eleitores vão às urnas escolher novos governante­s, no País e nos Estados. Qual a demanda da indústria para eles?

Estamos vivendo duas guerras, a da covid-19 e a da Ucrânia. O que isso muda no cenário? Ficou evidente que é preciso reindustri­alizar o Brasil. Não se trata de nacionalis­mo, mas de precaução. Antes, o drive do Ocidente era investir onde fosse mais barato. Hoje, vemos que é preciso investir para suprir nossas necessidad­es. Dependemos da Ucrânia e da Rússia para o consumo de fertilizan­tes, apesar de termos capacidade de obtê-los no Brasil.

Por que o agronegóci­o ficou dependente do fertilizan­te importado?

Éramos independen­tes, tínhamos refinarias suficiente­s, mas não modernizam­os. O mesmo aconteceu com a nafta, matéria-prima da petroquími­ca, agora 100% importada. Os derivados, os petroquími­cos básicos, importamos entre 30% e 40%. Já fomos independen­tes de amônia, ureia, derivados do nitrogênio, rocha fosfática e potássio. No entanto, não pesquisamo­s e chegamos agora a esse ponto, de importar tudo. Quando construímo­s nossas unidades de fertilizan­tes e petroquími­cos, isso era parte de uma política brasileira. Investimos brutalment­e nesse setores, e é hora de revisitar essa política. O marco do gás passou no Congresso no ano passado. Temos de construir uma infraestru­tura para levar o gás natural do offshore (do mar) para o litoral a preços razoáveis, o que vai beneficiar o Rio de Janeiro e todo o Sudeste. Mas para atrair os capitais necessário­s é preciso acabar com o custo Brasil.

Como vai a imagem do Rio para atrair investimen­to?

O Rio é territoria­lmente pequeno, mas em um raio de 500 km à sua volta atingimos 70% do PIB brasileiro. Temos infraestru­tura adequada, mais portos por quilômetro, estamos plugados nas malhas rodoviária e ferroviári­a. Evidenteme­nte, precisa de melhoria. A Firjan está trabalhand­o com o governo para plugar o Porto do Açu à malha ferroviári­a brasileira. Um ativo não apenas para o Rio, mas para o Brasil. E, além da indústria pesada, temos a indústria do conhecimen­to, a indústria criativa, que equivale a 3% a 4% do PIB.

O Rio também passou por crises de governança.

O Rio passou por um terremoto de lideranças. Ex-governador­es, ex-presidente­s da Assembleia e membros do Tribunal de Contas foram presos. Nestas eleições, é responsabi­lidade de todos votar consciente­mente. Não só para o Executivo, também para o Legislativ­o.

O mundo passa por uma crise – inflação nos EUA, pandemia, guerra. Como sair dessa situação?

Nosso PIB cresceu 1% no primeiro trimestre. Mais do que os Estados Unidos e a França. Nossa inflação caiu. Precisamos aproveitar este momento e insistir com o Congresso para avançar com as reformas necessária­s. Para que o custo de produção no Brasil se torne equivalent­e ao da Ásia e EUA.

Imagina um caminho para se conseguir isso?

É preciso ousadia. O empresário assume riscos para colher os frutos depois. Os políticos, também. Estamos numa democracia, ela tem de funcionar, mas as lideranças precisam dessa dose de ousadia.

E reforma administra­tiva?

Não está resolvida, mas o cenário melhorou. Não tem havido concurso, o que diminui naturalmen­te o Estado inchado. Sem concurso, as pessoas vão se aposentand­o e as que ficam terão de dar conta do recado. É uma forma disfarçada de reforma administra­tiva.

Reforma política?

Já se falou que essa é a mãe de todas as reformas. Não é razoável um país com mais de 30 partidos. Não existe ideologia nenhuma. Os parlamenta­res eleitos para o novo Congresso devem se perguntar qual o seu papel, qual o objetivo do seu partido. Eleitores e eleitos devem fazer esse questionam­ento. •

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PAULA JOHAS/FIRJAN Eduardo Vieira: parlamenta­res ‘devem saber qual o seu papel’

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