Empreendedora cria restaurante e bar na Bahia com identidade de raça
Para Mônica Tavares, é tardio o despertar dos negócios com consciência racial; geração nova está abrindo caminho
Resgate histórico e territorial, valorização cultural, local e black money (termo que teve origem nos EUA para designar empresas lideradas por negros). É nesse caldo que estão inseridos o bar Malembe e o restaurante Roma Negra, ambos em Salvador. Apesar de estarem a menos de um quilômetro distantes um do outro, eles estão em contextos diferentes e atingem públicos distintos.
Enquanto o Malembe atrai pessoas mais jovens, alternativas e das periferias da capital baiana, o Roma Negra conquista um público maduro e com maior poder aquisitivo. “Temos turistas passantes e temos aqueles que buscam realmente gastar o seu dinheiro por meio do pensamento do black money, de consumir em lugares (comandados por) pretos”, explica Mônica Tavares, sócia nas duas casas.
Ela comanda o primeiro empreendimento com mais três mulheres: Daiane Menezes, a quem atribui o olhar peculiar para a carta de drinks, com uso de ingredientes locais; Milena Moraes, mais voltada para relações públicas e eventos; e Diana Rosa, que ao lado de Mônica compartilha a vida como esposa e a sociedade no Roma Negra. O Malembe foi inaugurado em junho de 2019 com um público de mais de 120 pessoas, o que surpreendeu as donas.
A ideia de criar o Roma Negra veio de uma oportunidade de espaço disponível e de uma estratégia de atingir um público diferente do Malembe. A proposta era capturar um perfil que estava “flutuando”, a classe média preta, também consciente e crítica que pode usufruir de um lugar mais requintado.
Pelo lado do propósito, a pauta defendida é a mesma: resgate, resistência e valorização. “A ideia de fazer mais um espaço falando de um resgate territorial é uma das provocações que eu faço, porque os negócios pretos não estão nos melhores espaços da cidade ou mesmo em uma parte privilegiada do centro histórico, como é o Largo do Cruzeiro de São Francisco, um dos lugares mais cobiçados do Pelourinho”, comenta Mônica.
“Ali, você tem iluminação pública, segurança, toda uma estética para os turistas, mas os negócios pretos são coadjuvantes. Então, ter o Roma num local assim é uma provocação, requerendo o resgate territorial.”
Para a empresária, é tardio esse despertar dos negócios com identidade de raça, mas a geração atual tem aberto caminho para mais consciência.
CADEIA SUSTENTÁVEL. Os dois espaços gastronômicos usam canudos de papel, embalagens de papel biodegradável ou reciclável, fazem coleta de óleo e separação de latas de alumínio. “Fácil não é, provavelmente tem custo maior do que alguém que não faz. Carregamos um peso maior por defender essas questões, mas nem por isso a gente vai deixar de fazer o que dá”, defende Mônica.
Além disso, ela afirma que seria “burrice” não adotar práticas que o mundo está defendendo, sendo que há consumidor disposto a pagar um pouco mais caro para fortalecer um negócio que se preocupa com o meio ambiente. “É inteligente fazer isso porque atrai mais pessoas por conta desse cuidado, atrai um público muito consciente, o que é ótimo.”
Para ela, é imprescindível o apoio governamental diante desse cenário para que as empresas sejam cada vez mais sustentáveis. “É inadmissível que essas iniciativas partam de microempresários sacrificando muitas vezes o lucro.”
No aspecto social, parte do faturamento do Roma Negra é revertido para apoiar um projeto que distribui cestas básicas para a comunidade. No Malembe, já houve iniciativa para reverter todo um dia de faturamento para os funcionários. •