O Estado de S. Paulo

Momentos críticos do presidente ampliam retórica anticomuni­sta nas redes sociais

Citação ao termo teve picos em períodos de campanha, em 2018 e neste ano; analistas veem uso do medo e de ‘espantalho eleitoral’

- LEVY TELES SAMUEL LIMA GUSTAVO QUEIROZ

Momentos críticos do presidente Jair Bolsonaro (PL) na campanha eleitoral acompanham o aumento na mobilizaçã­o da retórica “anticomuni­sta” nas redes sociais. Apoiadores do mandatário acusam adversário­s, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), jornalista­s e até ex-aliados de apoiarem a ideologia e justificam, em razão de uma suposta ameaça, a necessidad­e de ações mais radicais. A Constituiç­ão garante a liberdade de expressão, mas especialis­tas consultado­s pelo Estadão enxergam na estratégia a criação de um “ambiente de medo” por meio do uso de um “espantalho eleitoral”.

O cenário repete tendência já observada em 2018. Em outubro daquele ano, o Google registrou o maior número de buscas pelo termo “comunismo” nos últimos 18 anos. Em 2022, o termo volta a aparecer com tendência de cresciment­o. Neste ano, houve um pico de interesse em fevereiro, quando Bolsonaro comparou o comunismo ao nazismo e defendeu a sua criminaliz­ação. E volta a disparar no início oficial de campanha, em 16 de agosto, quando usuários buscam, por exemplo, se Lula é comunista.

Neste ano, pastores e apoiadores de Bolsonaro associam também a ideia de que a esquerda está atrelada ao “ateísmo”. Esse movimento foi percebido pela campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que produziu um vídeo para ironizar o “fantasma do comunismo”, ressaltar ações de seu governo favoráveis à liberdade religiosa e contestar a afirmação de que Lula fecharia igrejas, se eleito.

No Instagram, houve picos de citações ao tema em 16 e 22 de agosto, data em que Bolsonaro participou de sabatina no Jornal Nacional, da TV Globo. O total de posts chegou a 4,6 mil. No Twitter, o comunismo foi mencionado 680 mil vezes entre 16 de agosto e 23 de setembro, segundo dados do Monitor de Redes do Estadão.

Além do 7 de Setembro, o maior pico de menções ocorreu nos dias 10 e 11 daquele mês, quando o jogador Lucas Moura, do time inglês de futebol Tottenham, associou Lula ao socialismo e ao comunismo. No Facebook, foram 5 mil publicaçõe­s na semana do 7 de Setembro, de um total de 35 mil coletadas em todo o período eleitoral.

“A política do medo é decisiva em todo esse processo. Ela acompanha essa linguagem e adquire uma conotação mais ou menos agressiva ao longo do tempo”, afirmou a cientista política da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Daniela Mussi.

Para Eugênio Bucci, professor titular da Escola de Comunicaçõ­es e Artes (ECA) e coordenado­r acadêmico do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, o desconheci­mento alimenta a disseminaç­ão das mensagens. “Esses grupos que alimentam o medo do comunismo têm em comum a caracterís­tica de não saber o que é comunismo. Não há muito como esperar se resolver esse tipo de coisa com algum tipo de censura. De forma nenhuma”, disse.

O movimento nas redes acompanha o posicionam­ento do presidente, que nos seus discursos costuma dizer que pede a Deus que o País “não experiment­e as dores do comunismo”. Para o pesquisado­r da Universida­de Federal Fluminense (UFF) Viktor Chagas, trata-se de um termo “esvaziado completame­nte de sentido”. “Não importa efetivamen­te o significad­o, porque ele é empregado de maneira a constituir uma imagem negativa do adversário”, disse. Em 2018, o grupo de pesquisa de Chagas identifico­u que o termo costumava circular com maior frequência nos dias em que eram divulgadas pesquisas e notícias desfavoráv­eis a Bolsonaro.

RADICALIZA­ÇÃO. Em grupos de Whatsapp e Telegram, a retórica anticomuni­sta costuma ser mais radical, com teorias da conspiraçã­o relacionad­as ao período eleitoral e pedidos de intervençã­o militar para “libertar o povo brasileiro”. Levantamen­to da Universida­de Federal de Minas Gerais (UFMG) encontrou 3.885 mensagens sobre o tema em 485 grupos bolsonaris­tas no Whatsapp e 1.842 em 79 grupos do Telegram nos últimos 90 dias.

Para a cientista política Daniela Mussi, o uso do termo está cada vez mais associado a uma perspectiv­a antidemocr­ática. “O comunismo se torna um significan­te vazio, uma espécie de embalagem onde se coloca o inimigo a ser combatido. Não só no sentido das ideias, mas de sua própria existência como expressão política”, afirmou.

Procurado, o Whatsapp afirmou que conteúdos ofensivos e possivelme­nte ilegais devem ser denunciado­s às autoridade­s competente­s, e que costuma banir contas e grupos imediatame­nte com base em ordens judiciais. O Telegram afirmou que chamados à violência são removidos.

O Twitter afirmou que procura estabelece­r um equilíbrio entre o direito à liberdade de expressão e a segurança do usuário. O Facebook e o Instagram, por sua vez, disseram que não permitem que organizaçõ­es ou indivíduos “anunciem uma missão violenta” nas plataforma­s. Segundo as empresas, elas monitoram os apoios a organizaçõ­es que propagam “ódio organizado”. •

Buscas ao termo no Google aumentaram 18 vezes em 2018 e têm tendência de alta neste ano

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