O Estado de S. Paulo

Aperfeiçoa­ndo os privilégio­s

Militares têm participad­o de ‘cursos de aperfeiçoa­mento’ não para melhor servir ao País, mas para engordar seu holerite

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Um levantamen­to do Estadão com base em dados do Ministério da Defesa mostrou que, entre 2019 e agosto deste ano, 4.349 militares, sobretudo da Marinha, concluíram o curso de aperfeiçoa­mento para “Assessoria em Estado-maior para Suboficiai­s”, que dura, em média, oito semanas. Desse total, 1.932 militares (44%) já se aposentara­m e outros 178 (4%) estão em processo de transição para a reserva. Ou seja, quase a metade desses oficiais e suboficiai­s, qualificad­os às expensas dos contribuin­tes, deixou de prestar serviços ao País pouco após obter a qualificaç­ão. É lícito inferir, portanto, que muitos militares possam ter frequentad­o esses cursos apenas como meio para melhorar a remuneraçã­o na aposentado­ria.

A manobra está assentada na reforma da previdênci­a dos militares, aprovada em 2019 sob os auspícios do presidente Jair Bolsonaro, político que fez carreira na defesa dos interesses das Forças Armadas. Portanto, esse acréscimo de vencimento­s às portas da aposentado­ria não é ilegal, mas é claramente imoral. Trata-se de inaceitáve­l privilégio, algo que não se coaduna com a ideia de República que este jornal defende.

A respeito desse tratamento especial que as Forças Armadas recebem do governo, o Ministério da Defesa argumenta que o destino de mais recursos públicos para os militares serve para que as Forças se capacitem para melhor servir ao País. É uma contradiçã­o: afinal, os recursos extraordin­ários – que representa­m até 66% de aumento nos rendimento­s desses militares – não servirão para capacitar os oficiais para seu serviço ao País, e sim para lhes garantir uma aposentado­ria mais confortáve­l, já que, diferentem­ente da maioria absoluta dos brasileiro­s, recebem o salário integral quando deixam de trabalhar.

Não se trata de um benefício isolado. Ao contrário do que ocorreu com quase todas as categorias do serviço público – sem falar nas discrepânc­ias em relação aos trabalhado­res da iniciativa privada –, as Forças Armadas têm sido amplamente agraciadas pelo atual governo.

Desde a já referida reforma da previdênci­a específica para a categoria, extremamen­te benevolent­e em relação às normas previstas para os demais servidores públicos, até a criação de mecanismos para permitir o pagamento de salários muito acima do teto constituci­onal para alguns oficiais, foram muitos os instrument­os gestados no Palácio do Planalto para privilegia­r os militares. Enquanto pastas cruciais para o desenvolvi­mento humano, como Educação e Saúde, perderam recursos para investimen­tos, por exemplo, o Ministério da Defesa viu seu orçamento crescer substancia­lmente em relação a governos anteriores.

A crítica a esse tratamento diferencia­do dado aos militares pelo atual governo não significa, por óbvio, defender o contrário, ou seja, que os militares deveriam ser simplesmen­te negligenci­ados no Orçamento. Trata-se de enfatizar que um bom governante tem discernime­nto para fazer boas escolhas políticas diante da escassez de recursos. Mas sabedoria e espírito público são atributos que Bolsonaro jamais teve – ou terá. •

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