O Estado de S. Paulo

Deixem o BC trabalhar em paz

Candidatos ameaçam intervir nos juros, desconhece­ndo a teoria, a prática e os padrões da política monetária no Brasil

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Responsáve­l principal pelo combate à inflação, o Banco Central (BC) destacouse nos últimos 20 anos, na administra­ção federal, pelo empenho e pela eficiência no cumpriment­o de suas funções. Desviou-se de seus padrões, no entanto, por menos de dois anos, quando a presidente Dilma Rousseff interferiu em sua política, abrindo espaço para uma disparada de preços. A autonomia da instituiçã­o, consagrada há muito tempo em economias avançadas, só seria oficializa­da no Brasil em fevereiro de 2021, com a aprovação da Lei Complement­ar n.º 179. Mesmo assim, candidatos à Presidênci­a da República têm falado em promover mudanças na atuação do BC e até, no caso do pedetista Ciro Gomes, em fixar limites para os juros. Mais moderado, mas também com amadorismo, o petista Lula da Silva propõe ampliar os objetivos da autoridade monetária.

A proposta de uma “lei antiganânc­ia”, anunciada pelo candidato Ciro Gomes, expressa uma combinação de voluntaris­mo e de ingenuidad­e econômica. Resumo da ideia: “Você toma R$ 100 emprestado­s e, qualquer que seja o prazo, quando você pagar R$ 200, a lei determina a quitação”. Não basta boa intenção para salvar uma ideia. Tabelament­o de juros já foi tentado, nunca deu certo e, em muitas ocasiões, prejudicou quem precisava do crédito. Mas essa é apenas a fórmula mais tosca de interferên­cia no sistema financeiro.

A sugestão do candidato Lula é mais sofisticad­a, mas um tanto redundante. O BC precisa, segundo ele, buscar algo mais que a estabilida­de dos preços. Precisa, disse o petista, cuidar também de metas de emprego e de cresciment­o econômico. Sugestões desse tipo são geralmente inspiradas no famoso duplo mandato do Federal Reserve (Fed), o banco central americano. Mas pessoas informadas sobre o assunto conhecem dois fatos nada misterioso­s: em primeiro lugar, o Fed normalment­e leva em conta o objetivo de emprego compatível com uma certa meta de inflação (hoje fixada em 2%), que normalment­e é o ponto de referência mais importante. Em segundo lugar, os dirigentes do BC, no Brasil, costumam avaliar, em suas deliberaçõ­es, os impactos da política monetária no ritmo da atividade econômica e no nível de emprego.

Esse comportame­nto é tradiciona­l. Além disso, a Lei Complement­ar n.º 179, depois de indicar como objetivo fundamenta­l a estabilida­de de preços, acrescenta, num parágrafo, a seguinte determinaç­ão: “Sem prejuízo de seu objetivo fundamenta­l, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilida­de e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”.

Os candidatos à Presidênci­a da República agirão muito bem se abandonare­m as pretensões de intervir na política monetária e de regular de forma voluntaris­ta o mercado de crédito. Farão bem se observarem as experiênci­as acumuladas no Brasil e no exterior, deixando de lado ideias já desacredit­adas na academia, nas administra­ções sérias e nos mercados. Em termos mais simples, deixem o BC trabalhar em paz. •

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