O Estado de S. Paulo

O piso salarial dos enfermeiro­s

- José Pastore PROFESSOR DA FEA-USP E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, É PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP

Se há uma categoria profission­al que merece o mais alto respeito da sociedade, é a dos enfermeiro­s. Eles se dedicam de corpo e alma para aliviar o sofrimento e salvar a vida do próximo. Nada mais justo do que uma remuneraçã­o condigna, a começar por um bom piso salarial.

A Constituiç­ão diz que o piso salarial deve ser definido em função da extensão e complexida­de do trabalho (artigo 7.º, inciso V), o que exige negociação coletiva entre os sindicatos e as instituiçõ­es de saúde. Entretanto, o Congresso Nacional decidiu estabelece­r o piso por meio da Lei n.º 14.457/2022.

Essa lei foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por ter infringido várias regras da Carta Magna. De fato, os artigos 167-A e 169 vedam explicitam­ente a criação de concessão, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneraçã­o que impliquem em despesa obrigatóri­a sem a existência de recursos e dotação orçamentár­ia. Além disso, os próprios parlamenta­res aprovaram uma nova Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC), a n.º 122/2015, que diz: “A lei não imporá nem transferir­á qualquer encargo financeiro decorrente da prestação de serviço público, inclusive despesas de pessoal e seus encargos, para a União, os Estados,

Todos os direitos têm custos econômicos e sociais. Sou levado a concluir que a Lei 14.457 foi eleitoreir­a e enganosa

o Distrito Federal ou os municípios sem a previsão de fonte orçamentár­ia e financeira necessária à realização da despesa”.

Penso que, para aprovar o projeto de lei que deu origem àquela lei, a Comissão de Constituiç­ão e Justiça e os competente­s assessores da Câmara e do Senado alertaram os deputados e senadores para as restrições constituci­onais. Mas a busca pela reeleição falou mais alto. Aprovaram a despesa sem indicar o recurso. Sou levado a concluir que essa conduta foi eleitoreir­a e enganosa para os enfermeiro­s.

A ideia de que os direitos não têm custos, apesar de muito difundida entre os políticos brasileiro­s, é totalmente falsa. Todos os direitos têm custos econômicos e também sociais. O imbróglio criado pela Lei 14.457/22 pode provocar demissões de enfermeiro­s e deterioraç­ão da qualidade dos serviços de saúde, sobrando para os mais pobres.

Para os que usaram de precipitaç­ão para aprovar essa lei, o STF deu 60 dias para encontrare­m uma solução constituci­onal que seja adequada para os enfermeiro­s e para as instituiçõ­es de saúde, públicas e privadas, filantrópi­cas e lucrativas. Se isso não for suficiente, que se prorrogue o prazo. •

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