O Estado de S. Paulo

Candidato desde primeira live atingiu limite nas redes e apelou ao marketing

Decisiva para levar presidente à vitória em 2018, internet parece não ter mesmo efeito neste ano na tentativa de se manter no Planalto

- MARCELO GODOY PEDRO VENCESLAU

Presidente foi do Exército, integrou por décadas o ‘baixo clero’ do Congresso Nacional e venceu em 2018 na onda da antipolíti­ca

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A campanha de Bolsonaro foi atrás de celebridad­es e obteve o apoio de Neymar Jr. e de Ratinho

Era 7 de março de 2019, quando Jair Bolsonaro apareceu pela primeira vez no Facebook, transmitin­do ao vivo de Brasília. “Em Brasília, 19 horas”, disse o presidente, como se anunciasse A Voz do Brasil. Começava ali a campanha de 2022, com lives semanais nas quais tratava da criação de tilápia a ameaças à eleição caso o Congresso Nacional não adotasse o voto impresso. Desde então, Bolsonaro fez 186 transmissõ­es, reunindo 135 horas ou cinco dias e meio contínuos de imagens que contam a história do governo e a aposta na reeleição.

As transmissõ­es eram a forma para manter o contato direto com eleitores, enquanto no Palácio do Planalto uma parte dos assessores buscava a institucio­nalização do poder, como se a cadeira presidenci­al pudesse moldar o comportame­nto de Bolsonaro. Logo as frustraçõe­s apareceram. Generais como Carlos Alberto dos Santos Cruz e Otávio Rêgo Barros perderam espaço e foram ultrapassa­dos pelo gabinete do ódio, o grupo de jovens auxiliares do Planalto assim batizados por um ministro em razão do estímulo que davam aos piores rompantes do chefe.

Bolsonaro tinha então como alvo preferido o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). O general Luiz Eduardo Ramos, então comandante militar do Sudeste, foi quem lhe abriu os olhos, em uma visita ao Estado, para o perigo representa­do pelo tucano. Quando surgiu a pandemia, em 2020, a animosidad­e de Bolsonaro já existia e ia além da discussão sobre decretar ou não lockdown ou usar ou não máscaras de proteção. “Não quero ser tratado como mito, Messias ou herói nacional, mas quero respeito”, reclamava Bolsonaro.

Na época, as lives reuniam em média 3,1 milhões de visualizaç­ões. Com o tempo, o presidente foi registrand­o queda de audiência, algo que só foi interrompi­do quando Bolsonaro ameaçou uma ruptura institucio­nal, em setembro de 2021. Em 2022, o público médio dos vídeos caiu para 477 mil pessoas.

O uso das redes sociais que ajudou a levar Bolsonaro à vitória em 2018 tinha limites, assim como a pauta anticorrup­ção, sacudida desde que o exjuiz Sérgio Moro deixou a Esplanada, acusando o chefe de interferir na Polícia Federal. A pandemia avançou. Bolsonaro se engalfinha­va com Doria enquanto outro adversário ressurgia: Luiz Inácio Lula da Silva, que saiu da prisão e passou a ser elegível novamente.

MUDANÇA. Foi de olho na presença de Lula e na insuficiên­cia das redes que Bolsonaro resolveu ter neste ano uma campanha profission­al e mais bem estruturad­a. Entregou o núcleo de comunicaçã­o à coordenaçã­o do filho Flávio e do marqueteir­o Duda Lima. Concedeulh­es ainda mais acesso ao Palácio do Planalto e a seu gabinete após a chegada do ex-secretário Fabio Wajngarten.

Com apoio do candidato a vice, general Walter Braga Netto, esse time convenceu o presidente de 67 anos a moderar o discurso no 7 de Setembro, a reduzir os ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a procurar a se apresentar com uma versão “paz e amor” no horário eleitoral. Bolsonaro se desculpou pela frase “não sou coveiro”, dita ao ser questionad­o sobre as vítimas de covid-19. “Dei uma aloprada na pandemia.”

O empresário Otávio Fakhoury, um dos mais fiéis apoiadores, notou a diferença. “A campanha agora tem uma aparência mais profission­al do que em 2018. Desta vez, teve coordenado­r e marqueteir­o. Teve vez também o componente da Michelle (Bolsonaro), que foi quase protagonis­ta e ajudou a tirar o estigma de misoginia (do presidente).”

ACUSAÇÕES. Mas nem tudo mudou. Aliado ao gabinete do ódio, o vereador Carlos Bolsonaro ficou de fora deste núcleo e cuidou de forma independen­te das redes sociais. Em vários momento,s entrou em choque com o irmão mais velho. Dobrou a aposta nos ataques ao sistema eleitoral e ao PT. Em outra frente, articulou uma narrativa para mostrar o presidente como alguém perseguido pelo sistema.

Ressurgira­m a contestaçã­o das urnas eletrônica­s e os conflitos com a Justiça Eleitoral. “O presidente é vítima de fake news. Não acreditamo­s nas pesquisas, que são direcionad­as. Há fortes indícios de fraude arquitetad­a para dar um golpe. Existem urnas que foram manipulada­s”, disse ao Estadão Frederick Wassef, advogado do presidente e candidato a deputado federal.

Na última quarta-feira, o ministro Alexandre de Moraes reagiu e mandou investigar as acusações do partido do presidente contra as urnas.

O que poucos próximos do presidente admitem é que os números lhe são desfavoráv­eis. Os bolsonaris­tas sentiram o golpe da campanha “vira voto” que mobilizou dezenas de artistas e celebridad­es em defesa de Lula nas redes sociais. “Estava dando uma olhada nas redes sociais, como sempre faço de manhã, e estou chocado. A declaração de alguns artistas falando de esperança, e de juristas também. E a opinião covarde de jornalista­s. Vamos votar pesado no presidente Jair Bolsonaro”, disse o ex-secretário da Cultura Mário Frias.

Para tentar rebater o apoio de artistas como Xuxa, Angélica, Bruna Marquezine e Caetano Veloso, a campanha de Bolsonaro foi atrás de celebridad­es. Obteve o apoio de Neymar e de Ratinho – o astro do SBT disse que vai votar usando a camiseta da seleção brasileira. Exposto em quatro anos, o projeto de reeleição entregou às vésperas do primeiro turno a imagem desgastada de um presidente.

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VALDENIO VIEIRA / PR - 2/2 /2022 Bolsonaro manteve campanha constante desde que assumiu o cargo, mas enfrentou obstáculos, principalm­ente em razão da pandemia de covid-19 e da crise econômica

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