O Estado de S. Paulo

Pedetista radicalizo­u discurso na 4ª eleição e acabou isolado na disputa

Espremido pela polarizaçã­o, candidato subiu o tom contra o PT, perdeu apoios e deve receber menos votos do que em eleições passadas

- PEDRO VENCESLAU

É advogado, foi prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e ministro nos governos Itamar Franco e Luiz Inácio Lula da Silva

Depois de terminar o primeiro turno da disputa presidenci­al de 2018 em terceiro lugar, com 12,4% dos votos válidos, o exministro Ciro Gomes (PDT) começou a construir a sua candidatur­a. Com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) preso e a direita reunida em torno de Jair Bolsonaro (PL), o pedetista acreditava que teria dali a quatro anos, na sua quarta tentativa, a melhor chance de chegar ao Palácio do Planalto.

Quando decidiu embarcar para Paris em plena campanha do segundo turno, Ciro se ressentia do fato de o PT ter escolhido Fernando Haddad (PT) como o “substituto” de Lula em vez de apoiá-lo. O PT, em sua análise, não queria de fato vencer em 2018, mas marcar posição.

Quatro anos depois, Ciro, de 64 anos, chega ao fim da campanha isolado politicame­nte, com seu partido dividido, sem a retaguarda de apoiadores históricos e rompido até com a família no Ceará. A entrada do ex-presidente Lula na disputa estruturou uma polarizaçã­o consistent­e e implodiu as pontes que o candidato e seu marqueteir­o João Santana esperavam criar com o eleitorado antibolson­arista.

Emparedado entre o atual e o ex-presidente, Ciro foi subindo gradativam­ente o tom dos ataques ao PT e a Lula e tentou ainda seduzir seguidores de Bolsonaro. Em entrevista ao podcast Monark Talks, o candidato do PDT disse que sua participaç­ão nas eleições enfrenta os interesses de um “deep state” (“Estado profundo”). Essa expressão foi uma das marcas dos discursos de campanha do ex-presidente republican­o dos Estados Unidos Donald Trump.

Para os adeptos da tese, o “Estado profundo” seria composto pela elite política, econômica e financeira que se une para derrotar qualquer um que tente mudar o sistema vigente. “Com o campo da esquerda tomado, Ciro foi buscar o espólio bolsonaris­ta, mas não foi bem-sucedido. Ele deu um cavalo de pau e passou a defender um nacionalis­mo que nada tem a ver com o novo desenvolvi­mentismo. Ciro buscou uma agenda de direita como nicho de sobrevivên­cia”, disse o cientista político Vitor Marchetti, professor da Universida­de Federal do ABC (UFABC).

Candidato ao Senado em São Paulo pelo PDT, o ex-ministro Aldo Rebelo lembrou que em 2018 a polarizaçã­o entre Haddad e Bolsonaro se deu apenas na reta final. “Desta vez, a eleição já nasceu polarizada e sobrou um espaço contido para a terceira via. Nem o (João) Doria, que era governador de São Paulo, sobreviveu”, afirmou Rebelo.

PLEITOS. Ex-prefeito de Fortaleza e ex-governador do Ceará, Ciro disputou sua primeira eleição presidenci­al em 1998, quando recebeu 11% dos votos válidos. Em 2002, chegou aos 12% e apoiou Lula no segundo turno contra o ex-ministro tucano José Serra. Após ser ministro de Lula, rompeu com o PT em busca de uma raia própria na política. Ficou em terceiro lugar em 2018, novamente com 12% dos votos válidos e, agora, os institutos de pesquisas apontam que ele pode receber metade dos votos que teve quatro anos atrás – Ciro já avisou que, se perder mais uma vez, esta será a sua última campanha para presidente.

O sinal mais evidente do isolamento de Ciro foi o quadro político no Ceará, seu reduto eleitoral. Após brigar com sua família, o seu candidato local, Roberto Cláudio, do PDT, corre o risco de ficar fora do segundo turno, que deve ser disputado entre Elmano de Freitas (PT), candidato de Lula, e Capitão Wagner (União Brasil), nome avalizado por Bolsonaro.

Há, entre pedetistas de diversos Estados, um clima de desânimo e preocupaçã­o com o futuro do partido. Os relatos são de que, na prática, a sigla não está engajada na campanha presidenci­al do ex-ministro. Ao longo da campanha, inclusive, Ciro perdeu para Lula o apoio de quadros históricos do trabalhism­o e de artistas.

O cantor Caetano Veloso foi um deles. Na sabatina Estadão/FAAP, Ciro não poupou palavras para criticar a mudança de lado – e posição – de Caetano que, segundo ele, está com “a vida ganha”. “Quem está preocupado com o dia seguinte é quem não tem plano de saúde, é quem não tem como pagar mensalidad­e escolar, é quem está submetido ao terrorismo das facções criminosas nas periferias”, afirmou Ciro.

BRIZOLISMO. O movimento que mais abalou os pedetistas ligados à campanha presidenci­al, no entanto, foi a declaração do deputado federal Leonel Brizola Neto. “Em momentos cruciais da história, Brizola sabia que precisava apoiar quem tinha compromiss­o com o povo e mais chance de vencer. Foi assim em 1989, em 1994, em 2002. Vamos eleger Lula no primeiro turno”, conclamou o parlamenta­r em um ato no Rio.

“A base do PDT está dividida e isso afeta as campanhas proporcion­ais”, disse ao Estadão o ex-ministro e candidato a deputado federal Miro Teixeira (RJ). Sobre os ataques de Ciro ao PT, o parlamenta­r é contido. “Ele usa as palavras que quiser. Eu não usaria essa linguagem”, afirmou.

Fiel escudeiro de Ciro na campanha em São Paulo, o sindicalis­ta e membro da direção do PDT Antonio Neto, que também é candidato a deputado federal, rechaça que Ciro tenha feito gestos ao bolsonaris­mo ao longo da campanha. “Essa é uma mentira muito grande. Nós vamos em qualquer podcast. Não temos tempo de TV”, disse.

Estratégia

Ciro Gomes tentou criar pontes com o eleitorado antibolson­arista, mas perdeu espaço para Lula

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WERTHER SANTANA / ESTADÃO Candidato errou o tom de sua campanha e como consequênc­ia encolheu politicame­nte em comparação com eleições anteriores e perdeu apoio até em sua base, o Ceará

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