O Estado de S. Paulo

Chuva de tiros produziu montanha de cadáveres em 92

- Fausto Macedo, jornalista do ‘Estadão’ que cobriu o massacre em 1992

Amonotonia da tarde daquele 2 de outubro foi cortada pelo alerta do Bip (código 25 L) preso ao cinto. “Rebelião na Casa de Detenção”. Estava na Procurador­ia da República. Cheguei à Estação Carandiru, na zona norte da cidade, à margem da Avenida Cruzeiro do Sul, na expectativ­a de fazer a cobertura de um motim como tantos outros.

Dali, do alto da plataforma de trens, tinha-se uma boa visão panorâmica dos pavilhões que se erguiam atrás das muralhas colossais. Mas havia algo estranho. Não havia tropas em marcha nem camburões circulando, o grito das sirenes, cerco. Nada. Um silêncio fúnebre.

Em 20 minutos, a insurreiçã­o havia sido sufocada. O Choque é o Choque. Gente treinada desde sempre para o pior. Infantaria pesada. O seu comandante, por esse tempo, era o coronel Ubiratan Guimarães, estilo durão, oficial enérgico, disciplina­dor. Carismátic­o na caserna, merecedor da deferência dos soldados.

A história que a polícia espalhou para explicar o estouro do maior banho de sangue das prisões do País dava conta de que os reclusos do Pavilhão 9 fizeram explodir um petardo. O estrondo aturdiu e fez ir ao chão o coronel, momentanea­mente sem sentidos. A agressão a seu líder descontrol­ou o batalhão munido de armamento de guerra.

Não houve negociação. Nem tempo para isso. Seguiu-se uma fuzilaria jamais vista, que durou até a munição chegar ao fim. O Pavilhão 9 era o inferno.

Em meio à longa noite de agonia, o pesado portão de ferro pintado de um verde escuro se abria e por ele passavam as viaturas do Choque e informaçõe­s desencontr­adas. Já perto da madrugada, vem o padre, a passos trôpegos. Saiu da diretoria do presídio. Trazia orações e uma revelação perturbado­ra. “Mais de 100 mortos, mais de 100 mortos!”.

A perícia reconstitu­iu uma chuva de mais de 3 mil disparos de grosso calibre. Um bombardeio que produziu a montanha de cadáveres daquele 2 de outubro de 1992 e que, 30 anos depois, permanece sem castigo.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil