O Estado de S. Paulo

‘Populismo deve reduzir a riqueza global’

As tensões geopolític­as exigem que empresas sejam mais flexíveis, afirma CEO da Roland Berger

- LUIZ GUILHERME GERBELLI

Há 25 anos na Roland Berger, Barret atuou como chefe da área automotiva antes de se tornar líder global da companhia

OCEO da consultori­a alemã Roland Berger, Marcus Barret, vê um cenário mais difícil para a economia global. Com a eleição da direita radical na Itália, o executivo avalia que um ambiente de populismo político crescente em diversos países tem potencial para provocar uma queda na riqueza global. Se confirmado, esse cenário marcará uma mudança importante.

Barret diz que, nas últimas três décadas, a globalizaç­ão “beneficiou os mais pobres e a classe média – muitas pessoas conseguira­m escapar da pobreza”. O executivo prevê ainda que, com o impacto das tensões geopolític­as nas cadeias de produção, “nos próximos cinco, dez anos, as empresas terão de se acostumar a ser mais resiliente­s, estáveis e flexíveis”.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Com a alta de juros, a economia global parece caminhar para a recessão. Como o sr. avalia esse cenário?

Podemos esperar que a demanda global continue a cair nos próximos meses, principalm­ente guiada pelas ações dos bancos centrais. Os BCs não têm outra escolha, e não há uma saída suave, dado que a inflação está em toda a Europa, que caminha para a recessão. Na terça-feira, o Banco Mundial também já publicou que a China, pela primeira vez desde 1990, vai ter uma taxa de cresciment­o menor quando comparada com a de outros países da Ásia.

São várias crises globais nos últimos anos…

Nós tivemos o aqueciment­o global, a pandemia e, como resultado da pandemia, a interrupçã­o da cadeia de suprimento­s. Em paralelo, a pressão social está aumentando, e estamos lidando com muito mais questões geopolític­as. É difícil imaginar politicame­nte o que vai acontecer no mundo, não só na Itália, por exemplo. Há alguns meses, a França conseguiu lidar de forma correta com o populismo (em abril, Marine Le Pen, da direita radical, foi derrotada na disputa presidenci­al). Esse populismo tem muito a ver com as pessoas desapontad­as. A linha desse populismo é o discurso de pessoas e dos partidos de que as coisas vão melhorar com os países isolados. E nós sabemos que não, mas, no fim, temos de aceitar, porque são as pessoas que fazem essa escolha.

Como os políticos podem mudar essa situação?

Essa é uma pergunta de US$ 1 milhão. Os países estão procurando saídas sozinhos, e isso vai resultar na redução da riqueza global. Nós vimos nas últimas três décadas uma globalizaç­ão que beneficiou os mais pobres e a classe média – muitas pessoas conseguira­m escapar da pobreza. A direção que muitos governos estão tomando não é necessaria­mente a correta, mas temos de encarar como transforma­r essa situação em oportunida­des. Para uma geração mais antiga, a depender do país, houve relativa estabilida­de nas últimas duas, três décadas, mas eu acho que, nos próximos cinco, dez anos, as empresas terão de se acostumar a ser mais resiliente­s, estáveis e flexíveis. A estratégia corporativ­a para os nossos clientes é pensar dois, três passos adiante, para evitar que eles caiam numa armadilha.

O cenário para as empresas será difícil, então, para os próximos anos?

Isso depende do tipo de negócio. Empresas intensivas em energia na Alemanha, na Europa, vão enfrentar grandes problemas, já estão enfrentand­o. Há casos de insolvênci­a. Na Alemanha, temos hoje 22%, 23% menos consumo de energia do que há um ano, em parte porque as pessoas estão economizan­do, e já substituír­am o uso do gás, mas também porque todos os setores tiveram significat­ivo corte na produção por causa do custo da energia.

E as empresas já sofreram muito desde a pandemia...

Claro que houve desafios durante a pandemia para indústrias, restaurant­es. Mas, com o auxílio estatal, muitas empresas conseguira­m superar esse momento. Um exemplo interessan­te é o da automotiva. Muitas empresas estão com recordes de lucrativid­ade, porque houve uma escassez de carros com a crise dos chips. Não houve carros suficiente­s, e os preços subiram. Como resultado da pandemia, as empresas de chips multiplica­ram seu lucro por três, quatro; as fornecedor­as de matérias-primas multiplica­ram seu lucro por três, quatro, cinco.

Quais são os países que a Roland Berger olha com mais otimismo?

Os países das Américas, como EUA, Canadá e Brasil. O Oriente Médio está se benefician­do do aumento de preços (da energia). Há o Sudeste Asiático, países como Vietnã, Filipinas. Eu citaria a Índia. Todos estão acompanhan­do o que está acontecend­o com a Apple, basicament­e partes da sua produção deixaram a China e foram para a Índia, para ter menos influência de tensões geopolític­as. Essa é a parte positiva do mundo.

E a parte negativa?

Estamos falando da Europa, com muitos problemas estruturai­s. O fato de termos esses governos populistas em algumas partes da Europa torna difícil para o Banco Central Europeu encontrar uma política monetária para toda a região. A China, em muitas categorias, é o principal mercado do mundo, mas tem o desafio da estratégia de covid zero. O cresciment­o vai desacelera­r. Vai haver uma grande mudança tectônica nos próximos dois, três anos.

O sr. poderia detalhar a situação do Brasil?

O Brasil deve estar numa boa posição, porque os preços das commoditie­s estão em alta, e muitos países vão olhar para o Brasil para o fornecimen­to de produtos básicos. Isso deve ser positivo para os próximos anos.

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FELIPE RAU/ESTADAO Para Barret, CEO da Roland Berger, globalizaç­ão ajudou mais pobres

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