O Estado de S. Paulo

Como denunciar fraudes e corrupção dentro do ambiente de trabalho

Apesar do medo de retaliação, brasileiro­s apontam desvios ocupaciona­is em diferentes canais de denúncia; especialis­tas dizem que governança precisa melhorar

- FERNANDA BASTOS

A cada 24 horas, 224 denúncias são feitas no portal Fala.Br do Governo Federal – quase 10 chamados por hora. Desenvolvi­do pela Controlado­ria-Geral da União (CGU), o site oferece a opção de denunciar ilícitos nas esferas federal, estadual e municipal. Esse é o número de apenas um canal de denúncia no País, mas revela que muitos brasileiro­s escolhem reportar atividades ilícitas, como fraudes ou corrupção, apesar do estigma de linguarudo ou dedoduro, diz a diretora-geral da Kroll para América Latina, Fernanda Barroso.

De acordo com o Relatório

Global de Fraudes e Riscos de 2021/22 da empresa, consultori­a global em gestão de riscos, as perdas por fraudes e atividades ilícitas tiveram impacto significat­ivo em 75% das empresas no Brasil nos últimos três anos.

No mundo, o total de perdas, em 133 países analisados, é de cerca US$ 3,6 bilhões, ou seja, mais de R$ 19 bilhões (pela cotação de 29/9), segundo relatório global de 2022 da Associatio­n of Certified Fraud Examiners (ACFE). Cálculos apontam que as organizaçõ­es chegam a perder 5% das receitas com fraudes por ano.

Para revelar as atividades ilícitas, o principal meio é a denúncia. Segundo a pesquisa da ACFE, cerca de 42% das fraudes foram encontrada­s por meio desse tipo de manifestaç­ão. O problema é que muitos temem retaliaçõe­s ao fazer a acusação, como ficar com o estigma de traidor, ser demitido, não ter incentivo na carreira e perder benefícios. No Brasil, a retaliação pode gerar consequênc­ias administra­tivas.

Por isso, a garantia do anonimato e a clareza quanto às regras de proteção aos denunciant­es são os principais fatores determinan­tes para o relato, segundo a pesquisa Como Viabilizar Programas Públicos de Reportante­s contra a corrupção no Brasil?, de 2020, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Mas o que é preciso fazer quando há descoberta de algum tipo de ato corrupto pelo funcionári­o e ele decide relatar? Segundo a professora e pesquisado­ra da FGV Direito, Juliana Palma, existem alguns passos que podem facilitar a denúncia. Um deles é não fazer uma denúncia vazia. É preciso ter provas ou caminhos para chegar a tais evidências e ter domínio dos fatos. “Conheça quais são as proteções pessoais, funcionais, trabalhist­as que esses canais oferecem e faça uma lista das melhores opções.”

No Brasil, há diversos canais de denúncia, segundo Juliana, e perceber como cada um é estruturad­o e qual o nível de proteção é uma das principais dicas da professora. Há canais públicos, ouvidorias, controlado­rias estaduais, agências reguladora­s, canais internacio­nais e também canais privados. O canal de denúncia interno elaborado pela própria empresa “é o preferido”, diz Juliana. Mas ela destaca que o Brasil é muito pobre na proteção aos denunciant­es. Nós ainda estamos nesse estágio de consolidaç­ão de proteção ao denunciant­e”, diz ela.

Segundo as especialis­tas, é preciso haver mudanças de cultura organizaci­onal, fortalecim­ento dos canais de denúncia e uso da tecnologia. “Precisa haver uma mudança de paradigma”, diz Fernanda Barroso.

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