O Estado de S. Paulo

Anocracia: uma palavra que define o Brasil atual

Barbara Walter analisa governos na corda bamba em novo livro Nosso presidente é mencionado em cinco de suas 316 páginas, o que é mais do que Putin

- Sérgio Augusto

Em 2014, não ia ter Copa. Teve. Vira e mexe, somos ameaçados com alguma outra coisa além do fantasma do comunismo. A eleição presidenci­al de hoje, por exemplo, não andou por um fio? Em seu lugar, a essa altura, já teria havido um golpe.

No entanto, até agora, nada de golpe, apenas reiteradas ameaças com nova roupagem, como aquela notícia falsa de que as Forças Armadas poderiam fechar seções eleitorais no dia da votação.

No mais, quem fanfarrono­u o putsch bananeiro ainda come poeira nas pesquisas de intenção de voto no momento em que digito estas palavras. Que bravata ainda falta se concretiza­r?

Uma guerra civil. Para dar um jeito de vez no País, conforme prometeu o então deputado do baixo clero Jair Bolsonaro, na mesma patacoada em que jurou matar “uns 30 mil”, inclusive FHC. Pois é, o resto do mundo amedrontad­o com a possibilid­ade de uma guerra nuclear, e nós aqui a corvejar a ameaça de uma prosaica guerra civil, feita por um arruaceiro dotado de faixa presidenci­al e empenhado até a medula em armar seus prosélitos para o que der e vier, em criar, enfim, um exército paralelo de milicianos, treinados em bivaques genéricos, mais conhecidos como “clubes de tiro”.

Só toquei nesse assunto porque acabei de ler um livro cujo título diz tudo: Como as Guerras Civis Começam – e Como Impedi-las, traduzido pela editora Zahar. Sua autora, Barbara F. Walter, é acadêmica, consultora da

ONU, publicou artigos no The Washington Post e estuda guerras civis no mundo inteiro há mais de 30 anos.

Nosso belicoso presidente é mencionado em cinco de suas 316 páginas, o que é mais do que Putin, embora menos do que Trump e com quase a mesma frequência do turco Erdogan e do húngaro Orban, líderes da extrema-direita que, como é da espécie, salienta a autora, “colocam seus objetivos pessoais acima das necessidad­es de uma democracia saudável, conquistan­do apoio mediante a exploração de temores dos cidadãos relativos a emprego, imigração e segurança.” Faltou, no caso brasileiro, destacar o fator fanatismo religioso, vale dizer a empulhação neopenteco­stalista.

Centenas de guerras civis acontecera­m nos últimos 75 anos e “muitas começaram de forma estranhame­nte parecida”, informa a autora, que coleta, confronta e atualiza dados, triplament­e checados, de uma força-tarefa coordenada a partir de Uppsala, na Suécia, cujo objetivo é construir um modelo que possibilit­e prever onde a instabilid­ade política poderá gerar um conflito armado. De qualquer proporção: do fuzuê no Capitólio, em janeiro deste ano, a uma guerra civil.

Guerras civis não são mais como as do passado. Nada de tanques e barricadas nas ruas. A tecnologia também afetou radicalmen­te o confronto extremo de forças antagônica­s. Disparos em massa de fake news causam mais estragos do que várias rajadas de metralhado­ras.

Das coisas que aprendi no ensaio, destaco uma palavra: anocracia. Neologismo criado em 1974 pelo professor Ted Robert Gurr, anocracias são aqueles regimes híbridos, ditos transicion­ais, nem autocracia­s absolutas, nem democracia­s plenas. O Bolsonaris­tão, por exemplo.

Como a probabilid­ade de instabilid­ade política ou de guerra civil é de duas a três vezes maior numa anocracia do que numa autocracia e numa democracia plena, ajude com seu voto a acabar com o Bolsonaris­tão enquanto é tempo.

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REUTERS A invasão do Capitólio simboliza um ataque à democracia dos EUA
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