O Estado de S. Paulo

Baixa potência

- Luís Eduardo Assis Economista, autor de ‘O Poder das Ideias Erradas’ (Ed. Almedina), foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP. E-mail: luiseduard­oassis@gmail.com

É preciso aumentar a potência da política monetária; juros altos trazem efeitos colaterais

Lula da Silva não gosta do mercado financeiro. Mas não é correspond­ido. O mercado não desgosta de ninguém. Quer apenas ganhar dinheiro, na alta ou na baixa. Também não faz juízos de valor, por mais loquazes que sejam seus economista­s (que são verbosos, mas não compram nem vendem). O presidente se equivoca ao dar ao mercado o status de interlocut­or político.

Declaraçõe­s de princípio contra a lei do teto de gastos ou contra a independên­cia do Banco Central são contraprod­ucentes. O mercado não tem afiliação partidária, mas acende incensos para dogmas e axiomas. Se o governo sinaliza, por exemplo, uma elevação da meta inflacioná­ria, a expectativ­a de inflação que entra nas equações do Banco Central sobe e pode levá-lo a elevar ainda mais os juros, justamente o contrário do que se desejava.

Há aqui um jogo de espelhos que requer certa sutileza pragmática que Lula um dia teve, mas parece ter perdido. Ao invés de alimentar pirraças com o mercado ou de aventar uma moeda comum com a Argentina (uma solução em busca de um problema), o governo ganharia mais se abrisse a discussão a respeito da baixa eficácia da política monetária. Hoje a única ferramenta de que dispomos para combater a inflação é a elevação da taxa Selic.

É preciso discutir como aumentar a potência da política monetária, já que sabidament­e os juros altos trazem efeitos colaterais devastador­es, seja sobre a distribuiç­ão de renda, seja sobre a própria dinâmica da dívida pública. Além de assegurar que a política fiscal não esteja em dissonânci­a com a política monetária, o que não ocorre hoje, cinco pontos, entre outros, poderiam constar da pauta, a saber: (i) a completa desindexaç­ão da economia, já que mesmo com inflação baixa continuamo­s com o mau hábito de indexar contratos e salários; (ii) a escolha do núcleo da inflação como meta, como forma de minimizar a influência de choques de oferta temporário­s nas taxas de juros; (iii) a atuação do Banco Central ao longo de toda a curva de juros, não apenas na taxa Selic, a exemplo do que ocorre em muitos países; (iv) o controle da excessiva volatilida­de cambial, o que não pode ser confundido com tabelament­o do dólar; e (v) o controle da política de crédito através do uso de depósitos compulsóri­os dos bancos junto à autoridade monetária, um instrument­o clássico de política monetária.

Os juros altos são, de fato, uma aberração. Mas eles decorrem de fatores objetivos, que caracteriz­am a forma de atuação do Banco Central, e não de uma falha de caráter de agentes econômicos ou de suas eventuais preferênci­as políticas. •

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