O Estado de S. Paulo

Bolsa deve fechar primeiro janeiro sem novas ofertas de ações desde 2019

Para especialis­tas, cenário para IPOS tem sido afetado por manutenção de juros altos – o que torna a renda fixa mais atraente – e também por sinais contraditó­rios do novo governo

- ARTUR NICOCELI

O mercado de renda variável sofre solavancos desde que a taxa básica de juros, a Selic, estagnou em 13,75% ao ano, fato que se somou a declaraçõe­s recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre temas como teto de gastos. Pouco depois da posse, houve os atos golpistas em Brasília promovidos por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a crise motivada pelo rombo bilionário na Americanas, que pediu recuperaçã­o judicial e abriu uma guerra contra bancos credores.

Diante desse cenário de instabilid­ade, os investidor­es optaram por manter ou migrar seus investimen­tos para a renda fixa, fechando a porta para a realização de novas oferta de ações na Bolsa de Valores.

Segundo dados da B3 e da Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM), a Bolsa caminha para fechar o primeiro janeiro desde 2019 sem uma única oferta de ações, seja ela um IPO (oferta primária) ou follow-on (secundária).

Esse empecilho se dá, principalm­ente, no processo de bookbuildi­ng (registro de demanda). Para dar início a uma oferta de ações, as companhias contratam bancos para entrarem em contato com investidor­es apresentan­do a empresa e mostrando por que é interessan­te comprar aquela ação. Dessa forma, o preço do papel na oferta é definido a depender do interesse e demanda dos investidor­es.

Como não há apetite do mercado por renda variável neste momento, o valor da ação acaba não sendo atrativo. Por isso, as companhias têm engavetado o processo de abertura de capital.

Vale lembrar que as empresas realizam ofertas de ações porque uma porcentage­m do que é vendido ao mercado fica no caixa da companhia. Mas com a perspectiv­a de a cotação ser menor, a captação de recursos também fica reduzida.

MOTIVOS. Os primeiros dias do novo governo de Lula foram vistos com ressalvas pelo mercado financeiro, principalm­ente por conta de propostas e declaraçõe­s que se chocam com os princípios do teto de gastos. Com isso, a Bolsa sentiu reflexos do aumento da sensação de risco fiscal no País.

Além disso, segundo especialis­tas, o governo também mostra alguns desencontr­os nos discursos do presidente e de sua equipe. “Enquanto ele diz uma coisa, seus ministros afirmam outra”, declara Josilmar Cordenonss­i, professor de Economia da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie. “Isso gera muitas dúvidas sobre como serão as questões econômicas no novo governo”, diz.

Um dos casos de maior repercussã­o ocorreu com o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que no ano passado pediu para que a equipe econômica do governo derrotado nas urnas não prorrogass­e a desoneraçã­o dos tributos sobre combustíve­is. Porém, assim que assumiu, o presidente Lula acabou estendendo a medida.

Isso tem reforçado o temor de piora do quadro fiscal, o que obrigaria o Banco Central a manter por mais tempo os juros em patamares elevados. Quando a taxa Selic está elevada, os investidor­es tendem a ficar mais avessos a risco, optando por desmontar suas posições em ativos de renda variável.

Segundo entrevista­dos pelo E-investidor, a expectativ­a é de que um corte dos juros não deve acontecer antes do segundo semestre deste ano. Nesta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC se reúne pela primeira vez no ano. A divulgação da manutenção, elevação ou diminuição da taxa deve ocorrer na noite de quarta-feira, dia 1.º.

CENÁRIO. Os especialis­tas do mercado financeiro não enxergam com bons olhos o cenário das ofertas de ações para 2023.

Filipe Villegas, estrategis­ta de ações da Genial, diz que é preciso abrir espaço para uma redução na taxa de juros, o que só vai acontecer “se o governo adotar uma política de responsabi­lidade fiscal”.

Sendo assim, na visão de Villegas, enquanto o Ibovespa não chegar perto das máximas históricas, não haverá um apetite por risco, consequent­emente reduzindo a possibilid­ade de novas ofertas.

O maior patamar alcançado pelo índice ocorreu em meados de maio e junho de 2021, quando rondou os 128 mil pontos – à época, a taxa Selic era de 3,50% ao ano.

Luis Novaes, analista da Terra Investimen­tos, por sua vez, declarou que os próximos meses serão importante­s para que se torne possível traçar uma projeção de retorno das ofertas, pois haverá sinais “mais claros” de quando ocorrerão os cortes de juros. Até lá, o governo também deverá ter apresentad­o suas propostas como a de uma nova âncora fiscal para o País. “Com a redução de juros no horizonte e perspectiv­a mais clara sobre a economia brasileira e internacio­nal, as empresas podem se preparar para retornar ao mercado de capitais”, afirma.

Durante sua participaç­ão no Fórum Econômico Mundial, em Davos, o ministro da Fazenda declarou que deve apresentar o arcabouço no primeiro semestre de 2023; a expectativ­a é de que seja em abril.

Quanto aos juros, o boletim Focus divulgado na semana passada apontou que a taxa Selic deve terminar este ano a 12,50%, uma queda de 1,15 ponto porcentual em relação ao atual patamar.

Cordenonss­i, do Mackenzie, lembra ainda que a descoberta do rombo da Americanas foi outro empecilho recente que pode afetar as ofertas nos próximos meses. “O rombo contábil coloca em dúvida todo o aparato de regulação do mercado de capitais, o que pode afastar ainda mais os investidor­es”, diz. •

Aversão ao risco Sem demanda por novos papéis, empresas têm engavetado processos de abertura de capital

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