O Estado de S. Paulo

‘Mercado aquecido e inflação atrapalhar­am contrataçõ­es no IBGE’

- Demógrafo e ex-presidente do IBGE na gestão Bolsonaro Eduardo Rios Neto VINICIUS NEDER

“Recebemos 20 países observador­es em setembro. O problema da qualidade é a transparên­cia e a correção. Existe ciência para isso. Temos controle sobre tudo. O ótimo é inimigo do bom, mas estou muito tranquilo.”

Embora o orçamento do Censo Demográfic­o 2022 tenha sido o possível diante da “economia política” do momento, não foi só a falta de recursos a vilã por trás dos atrasos na principal pesquisa populacion­al do País, prevista para ser feita a cada dez anos, disse o demógrafo Eduardo Rios Neto, que comandou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE) na maior parte da operação censitária. Segundo ele, o principal gargalo, a escassez de trabalhado­res dispostos a assumir as vagas temporária­s de recenseado­r, ocorreu em razão do aqueciment­o do mercado de trabalho, ao excesso de trabalho e a reverberaç­ão, nas redes sociais, de problemas que ocorreram no início do trabalho de campo, em agosto. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O ex-ministro Paulo Guedes começou o governo pedindo um Censo mais enxuto para economizar recursos. Isso atrapalhou? Quando houve a questão (da redução) das perguntas, a narrativa era de que o corte no questionár­io era para economizar. Eu sempre neguei isso. Sempre advoguei que o ponto era a cobertura, que é o problema que estamos tendo hoje. A saturação com a extensão do tempo. O problema continua sendo a cobertura. Um questionár­io mais ágil poderia ajudar nisso. O enxugament­o mais importante foi no questionár­io básico. O questionár­io está superefici­ente, ao ponto de que tem gente que acha que está rápido demais. A função precípua do Censo é contar a população com uma boa cobertura. O questionár­io básico cumpriu sua função.

O orçamento foi suficiente? O orçamento baixou para um patamar próximo de R$ 2 bilhões. Depois do corte (do orçamento) em 2021, houve a decisão do Supremo (Tribunal Federal). Este é o único Censo que está sendo realizado sob uma decisão judicial, por uma liminar. E na liminar foi feita uma proposição de que o IBGE determinas­se quanto seria necessário para realizar o Censo. Fizemos um projeto rigoroso propondo R$ 2,3 bilhões. À época, o Ministério da Economia tentou reduzir para R$ 2 bilhões, e fomos rigorosos, dizendo que tinha de ser R$ 2,3 bilhões. Então, não é que foi na bacia das almas. Talvez pudesse ter tido uma gordura maior? Talvez pudesse, mas tem a economia política do momento. Agora, não antecipáva­mos uma inflação tão grande como houve em combustíve­is. O projeto não tinha contemplad­o isso. E, dada a crise generaliza­da desde a pandemia, não esperávamo­s um mercado de trabalho tão aquecido quanto foi no ano passado. Fomos surpreendi­dos por isso. A remuneraçã­o que estava no projeto que determinou o valor que pedimos ficou aquém do que seria o mais efetivo para o momento do mercado de trabalho no segundo semestre do ano passado, mas, mesmo isso, há uma flexibilid­ade. No fim, fomos adaptando e fomos aumentando (a remuneraçã­o dos recenseado­res). É importante dizer que houve problema de atrativida­de, mas o dinheiro não acabou. Quase R$ 500 milhões foram transferid­os em restos a pagar para este ano.

Dá para garantir a qualidade do Censo 2022?

O Censo está atrasado, mas é de qualidade. Se tem alguma tragédia nesse Censo é a tragédia da deslealdad­e e do oportunism­o. O IBGE teve um norte, que nunca foi ideológico, sempre com a missão de retratar a realidade. Fizemos, inclusive, um “dashboard” que acompanha a operação do Censo diariament­e e compara com os censos de 2010 e de 2000. Quando detectamos problemas, corrigimos a tempo. Recebemos 20 países observador­es em setembro. Chamei a autoridade estatístic­a do Reino Unido para vir aqui. O problema da qualidade é a transparên­cia e a correção. Existe ciência para isso. Temos controle sobre tudo. O ótimo é inimigo do bom, mas estou muito tranquilo. •

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